PAGOU PROPINA À FACÇÃO? EMPRESAS BRASILEIRAS PODEM ENFRENTAR PUNIÇÕES SE GRUPO FOR CLASSIFICADO COMO ORGANIZAÇÃO TERRORISTA, ENTENDA

(crédito: foto reprodução "IA" para ilustrasção do texto)


Postagem publicada às 22h34 desta terça-feira, 05 de agosto de 2025.

A crescente internacionalização das atividades das facções criminosas  tem provocado reações em fóruns de segurança hemisférica e nos bastidores diplomáticos. A mais recente e significativa manifestação partiu do Comitê de Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos, que realizou, em 23 de julho de 2025, uma audiência pública para avaliar o impacto das organizações criminosas transnacionais na segurança nacional americana.

Entre os grupos mencionados com maior preocupação, o PCC, nascido nos presídios paulistas, foi citado ao lado de cartéis mexicanos e gangues haitianas.

Segundo os especialistas ouvidos, o grupo já ultrapassou os limites do narcotráfico, transformando-se em uma máfia internacional com presença em mais de 90 países. A Dra. Vanda

Felbab-Brown, pesquisadora sênior do Brookings Institution, confirmou essa expansão em palestra no Senado dos Estados Unidos:

“o principal grupo mafioso do Brasil, com alcance pelo Cone Sul e em mais de 90 países, conforme me transmitiram as autoridades policiais brasileiras”.

Essa nova percepção levou representantes do governo dos Estados Unidos, liderados por David Gamble, chefe interino da coordenação de sanções do Departamento de Estado, a proporem formalmente, em reuniões realizadas em Brasília em maio deste ano, a designação do PCC (e também do Comando Vermelho) como organizações terroristas.

A proposta americana e a resistência brasileira

A proposta apresentada em território brasileiro gerou tensão diplomática. O governo dos Estados Unidos argumenta que o enquadramento dessas facções como foreign terrorist organizations (FTOs) permitiria maior rigor nas sanções internacionais, bloqueio de ativos financeiros, ampliação da cooperação investigativa e, principalmente, a possibilidade de punir empresas e instituições que, voluntária ou involuntariamente, mantenham vínculos financeiros com essas organizações.

Contudo, o governo brasileiro, atualmente liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, rejeitou a proposta. A recusa tem base jurídica: a Lei Antiterrorismo do Brasil (Lei nº 13.260/2016) define como terrorismo os atos motivados por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, e com o objetivo de provocar terror social ou generalizado. Como o PCC é interpretado pela autoridades brasileiras como um grupo motivado por lucro, especialmente com tráfico de drogas, armas e exploração ilegal e econômica de serviços às comunidades onde se instala, sua atuação não se enquadraria nos parâmetros legais da definição de terrorismo no país.

O enorme risco jurídico para empresas brasileiras

Apesar da posição brasileira, a legislação dos Estados Unidos adota uma definição mais abrangente. Organizações criminosas transnacionais podem ser rotuladas como terroristas quando suas atividades envolvem tráfico internacional, violência organizada e corrupção estrutural. Esse enquadramento já foi utilizado contra grupos como a MS-13 (El Salvador) e a Tren de Aragua (Venezuela). Em fevereiro de 2025, o governo Trump classificou os cartéis mexicanos de Sinaloa e CJNG como FTOs e também como Specially Designated Global Terrorists (SDGTs), ampliando o leque de ações legais contra qualquer empresa que colabore com essas organizações.

Na prática, isso significa que empresas que operam em áreas controladas por essas facções, e que pagam extorsões ou propinas para manterem suas atividades, podem ser acusadas de financiar o terrorismo - mesmo que essa colaboração seja forçada.

No Brasil, casos semelhantes já ocorrem. Empresas de acesso à internet, especialmente no

Rio de Janeiro, frequentemente são obrigadas a pagar “pedágio” a grupos criminosos para manterem seus serviços em comunidades controladas por traficantes. Em São Paulo, a Justiça chegou a bloquear contas bancárias de empresas de transporte coletivo, retendo mais de R$ 600 milhões, sob suspeita de vínculos com o tráfico.

Se o PCC for classificado como organização terrorista nos Estados Unidos, qualquer pagamento feito por empresas - direta ou indiretamente - a esse grupo poderá configurar apoio ao terrorismo internacional. Isso colocaria em risco de sanções os conglomerados empresariais internacionais que operamno Brasil, especialmente aqueles com vínculos financeiros ou operacionais nos EUA.

Impactos internacionais e o risco de sanções

Embora a intenção dos EUA de enquadrar o PCC como organização terrorista não tenhe se consumodo em ato prático, percebe-se que já há pressões advindas de outros órgãos, como é o caso do Congresso norte-americano, que tem promovido debates sobre o assunto.

Os efeitos da designação são extensos. Instituições financeiras, operadoras de telecomunicações, bancos, empresas de logística, transporte, mineração e até fintechs podem enfrentar sanções severas se forem associadas ao financiamento, ainda que involuntário, do PCC.

Nos últimos meses, o Congresso americano aprovou leis como o FEND Off Fentanyl Act e o Fentanyl Sanctions Act, que permitem ao governo impor sanções econômicas contra empresas e instituições que, direta ou indiretamente, participem da cadeia de financiamento do tráfico internacional de drogas. Essas sanções incluem exclusão do sistema financeiro norte-americano, congelamento de ativos, restrição de crédito e suspensão de transações com instituições americanas.

O ex-diretor da DEA, Christopher Urben, relatou que três instituições financeiras mexicanas já foram oficialmente designadas como de “alta preocupação em lavagem de dinheiro”. A resposta foi imediata: essas instituições e outras do setor bancário reforçaram seus mecanismos de controle interno, receosas de sanções semelhantes.

Caso o mesmo padrão se aplique ao Brasil, empresas que operam em áreas sob controle do PCC - e que pagam taxas de segurança, propinas ou qualquer forma de extorsão - podem ser consideradas cúmplices, com impactos devastadores para seus negócios no exterior.

A especialista Dra. Vanda Felbab-Brown também destacou que o PCC já não é apenas um grupo de traficantes, mas sim uma estrutura gigantesca e multifacetada com infiltração econômica e política. Em sua palestra, Felbab-Brown afirmou:

“A internacionalização das operações também está caracterizando outros grupos criminosos em ascensão e cada vez mais potentes, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), o principal grupo mafioso do Brasil, com alcance pelo Cone Sul e em mais de 90 países, conforme me transmitiram as autoridades policiais brasileiras..”

E prosseguiu:

“Seu papel no tráfico global de cocaína aumentou por meio do desenvolvimento de redes de tráfico pela América do Sul e África até a Europa e Austrália. Ele diversificou seu portfólio econômico do tráfico de drogas para várias economias extrativas, como mineração na Amazônia, tributação de caça ilegal e tráfico de animais silvestres, além de outras atividades econômicas como o controle do transporte público, de outros serviços públicos em várias partes do país e infiltração no sistema bancário.”

Telefonia, internet e transporte: os setores mais vulneráveis

Entre os setores mais vulneráveis à nova classificação estão os de telecomunicações e transporte. No Rio de Janeiro, ouve-se com frequência que provedores de internet atuando em comunidades dominadas por traficantes frequentemente são forçados a pagar para manter seus equipamentos em funcionamento. Há notícias sobre construtoras que no Rio de Janeiro desembolsam altos valores para construir empreendimentos residenciais em determinadas regiões. Esses valores, mesmo que destinados à proteção ou continuidade do serviço, seriam considerados, sob a ótica norte-americana, apoio financeiro a grupo terrorista.

Já em São Paulo, os R$ 600 milhões bloqueados judicialmente de empresas de ônibus acusadas de envolvimento com o tráfico demonstram a capilaridade do PCC e sua capacidade de infiltração em setores essenciais da economia urbana. O que antes era tratado como corrupção ou lavagem de dinheiro, poderá, com uma nova classificação, ser interpretado como financiamento ao terrorismo - com consequências internacionais imediatas.

Além disso, conglomerados multinacionais com sede nos Estados Unidos ou que operem no sistema bancário americano poderão ser obrigados a romper vínculos com empresas brasileiras suspeitas, sob pena de sanções secundárias. A reavaliação de contratos, cadeias de suprimento e parcerias comerciais poderá se tornar uma exigência legal para grandes grupos corporativos.

O fator China e a internacionalização do PCC - o uso de aplicativos chineses

O avanço do PCC como organização mafiosa transnacional também chama atenção pela sofisticação das suas operações financeiras. De acordo com Urben, o grupo utiliza mecanismos semelhantes aos dos cartéis mexicanos, como o apoio de organizações chinesas de lavagem de dinheiro (Chinese Money Laundering Organizations - CMLOs).

Essas entidades operam por meio de aplicativos como o WeChat, cujas comunicações são acessíveis aos serviços de inteligência chineses, mas não aos americanos. Isso permite que recursos oriundos do tráfico passem por instituições financeiras chinesas sem serem detectados pelos sistemas ocidentais.

A complexidade desse sistema amplia os desafios para a cooperação internacional e fortalece o argumento dos EUA sobre a necessidade de classificar grupos como o PCC como organizações terroristas, a fim de usar todas as ferramentas legais disponíveis para interromper seus fluxos financeiros.

A classificação do PCC como organização terrorista parece questão de tempo

A classificação do PCC como organização terrorista pelos Estados Unidos parece cada vez mais provável, especialmente diante da expansão internacional do grupo e da sua capacidade de infiltração econômica.

Embora o governo brasileiro rejeite essa designação por limitações legais aciam colocados, o enquadramento unilateral por parte dos EUA já pode ser suficiente para gerar efeitos colaterais em empresas brasileiras ou transnacionais que operam no Brasil.

É fato que as sanções internacionais já têm chegado ao Brasil de algumas formas e que já existe uma pressão sobre o setor empresarial para que reforce seus sistemas de compliance, reveja seus fornecedores e se prepare para um novo cenário jurídico globalizado. Se o PCC for, de fato, rotulado como organização terrorista nos EUA, o impacto pode ser profundo e imediato — transformando práticas antes vistas como corrupção endêmica em crimes de repercussão global.


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Com informações Revista Sociedade Militar. 

 

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