GENERAIS NA BOLHA DO 1% MAIS RICO DO BRASIL? - HIERARQUIA É O RETRATO DA DESIGUALDADE?
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(A desigualdade salarial nas Forças Armadas. Imagem reprodução
“IA” para ilustração do texto). |
Postagem publicada às 6h17 desta quarta-feira, 22 de outubro de 2025.
O abismo entre generais e a tropa revela as distorções
históricas na política salarial da carreira militar.
As Forças Armadas brasileiras enfrentam uma crise silenciosa
que transcende as questões mediatas de defesa nacional e que se mostra como uma
crise emergente: a crescente disparidade salarial dentro de suas fileiras.
Enquanto um general de Exército pode receber até 27 vezes mais do que um
soldado, militares da reserva – majoritariamente praças – convivem com reduções
em seus proventos e perda de poder aquisitivo. Essa realidade expõe as
contradições marcantes numa instituição que se baseia nos princípios de
hierarquia e disciplina, mas que tem ao longo das últimas décadas tem visto
essa mesma hierarquia transformar-se em motivo de desigualdade sistêmica.
Raízes históricas da política salarial dos militares
A política salarial militar no Brasil tem raízes que remontam
aos governos militares, época marcada pelo arrocho salarial generalizado.
Durante o regime militar, o salário mínimo perdeu mais de 50%
de seu valor real, política que se refletiu na remuneração dos escalões médios
e inferiores das Forças Armadas. Paradoxalmente, enquanto os militares
implementavam o arrocho salarial para a sociedade civil, criavam-se as bases
para futuras distorções internas na carreira militar.
Durante o período, a contenção dos salários foi uma das
principais estratégias para combater a inflação, afetando não apenas os
trabalhadores civis, mas também os próprios militares, principalmente aqueles
de posição hierárquica mais inferiores, isto é, os suboficiais, sargentos,
cabos e soldados.
A lei que estruturou a discriminação salarial na caserna
Alguns anos depois da redemocratização, a Lei nº 8.237/91,
que regulamentou a remuneração dos militares federais, estabeleceu as bases do
sistema atual, garantindo que nenhum militar recebesse menos que o salário-mínimo
mensal.
Contudo, essa legislação também consagrou diferenças
estruturais que se acentuariam ao longo das décadas subsequentes.
Na prática, a partir desse momento, o abismo entre a tropa e
a cúpula de cada Força singular passou a ser não só uma “peculiaridade”
inerente à vida na caserna, como passou a ser legítima e legal.
Diversas fontes jurídicas e históricas embasam essa afirmação
sobre a Lei nº 8.237/91. Se por um lado ela estabeleceu o piso salarial mínimo
para militares, por outro, o mesmo documento institucionalizou diferenças
estruturais remuneratórias.
Quando a hierarquia se insurgiu contra a isonomia
constitucional
Dez anos mais tarde, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal
(TRF) da 4ª Região confirmou, por unanimidade, o pagamento das diferenças entre
os valores recebidos desde o início de 1993 e o índice de 28,86% devido aos
militares, bem como a elevação da taxa de juros.
A decisão beneficiava um grupo de dez servidores da Brigada
Militar do Rio Grande do Sul que ajuizaram a ação. O reajuste foi concedido a
todos os servidores públicos.
Os militares, no entanto, tiveram aumentos diferenciados,
variando de 8,07% a 31,87%, de acordo com a patente. Somente os detentores de
postos e graduações mais altos receberam a correção maior, indo contra o
princípio da isonomia que deve haver dentro do serviço público.
A explosão das desigualdades nos últimos anos
A análise dos dados dos últimos dez anos revela um cenário
que pode ser encarado como no mínimo preocupante. Entre 2012 e 2022, vistos em
conjunto, os militares das Forças Armadas tiveram o maior aumento salarial
entre os servidores federais: 29,6% de ganho real acima da inflação. No
entanto, esse aumento não se distribuiu de forma equitativa, já que a profissão
não é de forma nenhuma um bloco homogêneo.
Certamente o dispositivo que guindou a classe como um todo
para o topo dessa estatística foi a Lei nº 13.954/2019. Alcunhada de
“reestruturação da carreira”, o diploma legal é visto por muitos militares como
exemplo máximo dessa distorção salarial entre topo e base.
Enquanto essa última lei promoveu aumentos entre 35% e 41%
para oficiais generais e suas pensionistas, concedeu apenas 9% em duas parcelas
para a tropa em geral.
A lei criou o Adicional de Compensação por Disponibilidade
Militar e ampliou o Adicional de Habilitação, benefícios que crescem
exponencialmente conforme a patente.
A nova ordem legal não apenas não corrigiu as distorções
anteriores, como ainda contribuiu para agravá-las.
Números que falam por si
Os dados atuais revelam um abismo vertiginoso entre o topo e
a base mais humilde da classe militar brasileira.
Um oficial general de uma das três Forças recebe hoje um
salário que pode tranquilamente passar dos R$30 mil. Um soldado deve receber
como soldo R$ 1.177 (após reajuste de 2025). Um terceiro-sargento controlador
de tráfego da FAB aéreo ou um submarinista da Marinha recebem menos de 5 mil
reais.
Uma matéria recente da Revista Sociedade Militar mostrou que
com adicionais e gratificações, um general pode receber mais de R$ 55.000
mensais, equivalente ao salário de 42 soldados.
O artigo não revelou somente a disparidade gigantesca
existente entre militares de uma mesma Força dentro de um mesmo país. O autor
também evidenciou que no Exército norte-americano, “considerado como paradigma
pelos oficiais brasileiros, a diferença entre o maior e menor salário é de
apenas 9 vezes.”
No Brasil, essa diferença, que pode chegar a 27 vezes, coloca
os oficiais generais brasileiros dentro da bolha intocável do 1% mais rico da
população.
Reflexos sobre o espírito militar da tropa
A disparidade salarial não representa apenas uma questão
financeira, mas algo que pode a médio prazo afetar o moral da tropa e
influenciar em fatores como a coesão, tão caros à doutrina militar.
Ainda de acordo com a Revista Sociedade Militar, soldados,
cabos e sargentos têm precisado trabalhar como motoristas de aplicativos ou em
outras atividades paralelas para complementar a renda familiar.
No contexto brasileiro, esse abismo remuneratório, capaz de
atingir proporção de 27 vezes, insere os oficiais de maior patente em um seleto
círculo correspondente ao 1% dos brasileiros mais abastados.
O desequilíbrio nos vencimentos transcende a dimensão
meramente econômica, configurando-se como elemento potencialmente capaz de
comprometer, em horizonte temporal não imediato, o ânimo das forças e
repercutir em aspectos como a unidade institucional, valores fundamentais para
a doutrina castrense.
Conforme apontado pela Revista Sociedade Militar, integrantes
das graduações de soldado, cabo e sargento têm sido levados a exercer funções
como condutores de plataformas de transporte por aplicativo ou outras ocupações
suplementares visando incrementar o orçamento doméstico.
Salário e soberania, polos opostos que um dia vão se tocar
A assimetria remuneratória dentro das instituições militares
brasileiras extrapola a esfera das relações de trabalho, constituindo-se, em
última instância, como mais um desafio à segurança nacional.
Efetivos desestimulados, praças em situação de
vulnerabilidade econômica e o êxodo de profissionais qualificados rumo a outras
profissões podem, se levados a um certo limite, fragilizar a capacidade
operacional das Forças.
A estranha metamorfose da estrutura hierárquica militar
brasileira ao longo dos anos em arquitetura de estratificação financeira beira
a contradição dos valores basilares proclamados por Exército, Marinha e
Aeronáutica.
O diálogo acerca da estrutura remuneratória militar
ultrapassa limites de interesses setoriais da própria instituição. A visão
seletiva e esquizofrênica de elementos da cúpula dirigente ao longo das décadas
de que salário e soberania são polos opostos não se sustenta.
A conflituosa realidade atual não ampara mais a visão caduca
da bipolaridade bélica mundial. A qualquer momento, a qualquer hora, o mundo
pode se converter num multipolarismo tão acerbo, que polos, antes vistos como
opostos, podem se tocar e mesmo se confundir.
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Com informações Revista Sociedade Militar.

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