NO SEU DIA, PROFESSORES DISCUTEM TEMAS POLÊMICOS: "MUDANÇAS DO ENSINO MÉDIO E ESCOLA SEM PARTIDO"
O Dia do Professor é comemorado hoje (15) em meio a debates sobre políticas de educação e, pelo menos, duas medidas que estão sendo discutidas no Congresso Nacional pretendem mudar o ensino básico: a Medida Provisória do Novo Ensino Médio e o projeto de lei 193/2016, que inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional o programa Escola sem Partido. Essas medidas atingirão os mais de 40 milhões de estudantes e 1,6 milhão de professores do ensino fundamental e médio.
A MP do Ensino Médio flexibiliza a etapa do ensino e determina que cerca de 1,2 mil horas, metade do tempo total do ensino médio, serão destinadas a conteúdos obrigatórios. No restante da formação, os alunos poderão escolher entre cinco trajetórias: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas – modelo usado também na divisão das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) - e formação técnica e profissional. A medida também amplia gradualmente a carga horária do ensino médio para 7h por dia ou 1,4 mil horas por ano.
Já o Escola sem Partido diz que professores não podem transmitir aos estudantes nenhum tipo de posicionamento, seja político, ideológico ou religioso. A proposta do movimento é de que seja afixado na parede das salas de aula de todas as escolas do país um cartaz, onde estarão escritos os deveres do professor. Entre esses deveres, está que o professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.
Além disso, o Escola sem Partido estabelece que o professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas e que, ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.
O projeto determina ainda que as secretarias de educac a o contara o com um canal de comunicac a o destinado ao recebimento de reclamac o es relacionadas ao descumprimento da medida, assegurado o anonimato.
- VEJA O PENSA OS PROFESSORES SOBRE "MUDANÇA DO ENSINO MÉDIO"
A favor
Cleverson Lino Batista, professor de filosofia, ética e sociologia do ensino médio no Colégio São Pedro do Vaticano e do ensino fundamental na Rede Coleguium, ambas escolas particulares em Belo Horizonte, diz que a MP é positiva ao trazer o ensino técnico ao ensino médio. "É muito importante, principalmente para os mais pobres. É uma oportunidade de inserção no mercado de trabalho". Para ele, outro ponto positivo é a possibilidade do estudante escolher a trajetória de ensino.
"A MP é uma tentativa importante [de melhorar o ensino médio]. Atualmente, ela não dá perspectiva para muita gente que não vai fazer o vestibular. Não tem essa possibilidade de encarar, dentro do ensino médio, a especificidade de cada emprego, de cada mercado de trabalho e profissão. Com o ensino técnico, o estudante pode ter essa oportunidade de lidar com a profissão", defende.
Sobre a possibilidade de sociologia, filosofia, artes e educação física deixarem o currículo obrigatório do ensino médio, o professor diz que não acredita que isso ocorra. Pela MP, os componentes curriculares obrigatórios, além de português e matemática, serão todos definidos na Base Nacional Comum Curricular, atualmente em discussão. "Eu creio que esses conteúdos dificilmente deixarão de compor o ensino médio. Pelo que acompanhei da Base, as disciplinas estarão contempladas", diz.
Contra
Para a professora do Colégio Estadual do Paraná, em Curitiba, Elisane Fank, a proposta poderá levar a uma precarização do ensino, com a ênfase maior em uma formação tecnicista em oposição a uma formação crítica dos estudantes.
No Paraná, professores decidiram entrar em greve e estudantes ocupam mais de 300 escolas - de acordo com Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no Paraná - em protesto contra a MP e contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que restringe os gastos da União (PEC 241), entre outras medidas nacionais e estaduais. Os professores também pedem melhores condições de trabalho.
"Recebemos a MP como uma forma bastante autoritária. Estávamos participando dos debates do projeto de lei da reforma. Não havia consenso sobre a reforma do ensino médio, mas havia debate. Os professores, por meio dos sindicatos e escolas, estavam se posicionando. Esse debate foi totalmente interrompido", diz.
Segundo ela, os professores propunham a reorganização da grade curricular, de forma que as disciplinas não fossem ensinadas em tempos específicos, mas que houvesse maior fluidez dos conteúdos. A professora afirma que a educação integral, da forma como está proposta, compreende apenas a extensão do tempo e aumento da carga de português e matemática visando a melhoria nos índices educacionais. "A formação humana tem que pautar o tempo do aluno e não o índice do Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]", defende.
O professor de filosofia Djalma Silveira, da Escola Estadual José Barbosa Rodrigues, em Campo Grande, defende que o ensino médio necessita de reforma. "Precisa de reforma urgente. Do jeito que está eu tenho 50 minutos de aula com cada turma, quando eu consigo deixar a sala preparada, já perdi 25 minutos. O currículo do ensino médio está sobrecarregado. O professor não tem tempo para fazer o que precisa", diz.
Segundo ele, modelos semelhantes existem em outros países. Ele diz que concorda com a proposta de reforma, mas que é necessário discutir mais.
"Sobre o ensino técnico, é preciso levantar o que o país quer. Temos um Estado que mais atrapalha do que ajuda quando se quer abrir uma empresa, investir, criar renda. O estudante sai do ensino médio com sonho de emprego e no final não tem. Sou a favor do ensino técnico, mas é preciso discutir que país se quer para que a escola acompanhe", defende.
Contra
O professor de filosofia e sociologia, Osmar Antônio Schroh, do Colégio Estadual José de Anchieta, em União da Vitória (PR), é contrário à proposta. Segundo ele, falta estrutura às escolas para que o ensino ganhe mais qualidade. Ele diz que é a favor do ensino médio integral, mas que é preciso infraestrutura. "Sempre fomos a favor de ensino integral, mas a escola precisa estar preparada para isso. Quando se fala em educação - como a da Finlândia - precisamos de investimento, de preparação. Não temos escolas preparadas para isso", argumenta.
Segundo ele, falta estrutura para estudantes e professores. É necessária formação para os profissionais, tecnologias que ajudem a trazer a prática para dentro da escola e o interesse nos estudos. Além disso, o professor diz que faltam condições de trabalho, por exemplo, tempo para que os docentes preparem as aulas e corrijam as provas, o que, de acordo com ele, embora garantido por lei (Lei do Piso), na prática isso acaba sendo feito em casa e nos fins de semana.
"Não podemos pensar o ensino médio como profissionalização para mão de obra barata e nem como algo que prepara só para o vestibular. Tem que ter conotação de preparar o cidadão para que tenha autonomia e possa decidir o que quer", diz.
Novo Ensino Médio
Apresentada pelo presidente Michel Temer no dia 22 de setembro, a MP do Ensino Médio flexibiliza os currículos e amplia progressivamente a jornada escolar. A reformulação da etapa já estava em discussão no Congresso Nacional no Projeto de Lei 6480/2013, e agora volta em formato de MP, com o prazo de 120 dias para ser votada.
A MP prevê a flexibilização do ensino médio. Português e matemática serão os dois únicos componentes curriculares obrigatórios nos três anos do ensino médio. Os demais componentes curriculares que deverão ser ensinados no período obrigatoriamente serão definidos na Base Nacional Comum Curricular, que começou a ser discutida este mês e deverá ser definida até meados do ano que vem, segundo o Ministério da Educação.
De acordo com a MP, cerca de 1,2 mil horas, metade do tempo total do ensino médio, serão destinadas ao conteúdo obrigatório definido pela Base. No restante da formação, os alunos poderão escolher seguir cinco trajetórias: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas - modelo usado também na divisão das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) - e formação técnica e profissional. A medida também amplia gradualmente a carga horária do ensino médio para 7h por dia ou 1,4 mil horas por ano.
Em consulta pública no site do Senado Federal, até sexta-feira (14), 3.183 haviam se manifestado a favor e 66.884 contra a MP.
VEJA O QUE PENDA OS PROFESSORES SOBRE "ESCOLA SEM FRONTEIRA"
Com o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e um país dividido politicamente - como ficou claro nas urnas em 2014 - o movimento Escola sem Partido ganha força no país, sob o discurso de que professores não podem transmitir aos estudantes nenhum tipo de posicionamento, seja político, ideológico ou religioso. As ideias do movimento transformaram-se em projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, estados e municípios. No dia do professor, a Agência Brasil conversou com professores para saber o que pensam da proposta.
Contra
"O projeto Escola sem Partido aprofunda a insegurança de como trabalhar em sala", diz a professora Gina Vieira Ponte de Albuquerque, que dá aula para o 9º ano do ensino fundamental e para os anos finais do ensino fundamental da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Centro de Ensino Fundamental (CEF) 20 de Ceilândia e CEF 02, no Distrito Federal.
"Remete a um professor que transmite um conhecimento enciclopédico. Ser professor é mais complexo, nossa prática começa quando colocamos o pé dentro da escola e nos deparamos com alunos com atitudes racistas. Um mero professor não vai fazer nada, mas um educador fará um intervenção".
Com o projeto Mulheres Inspiradoras, Gina, ganhou pelo menos quatro prêmios: Professores do Brasil, Educação em Direitos Humanos na Escola, Prêmio Ibero-Americano de Educação em Direitos Humanos "Oscar Arnulfo Romero" e Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero.
"Ao longo do projeto me deparei com alunos que presenciavam pais espancando mães e isso era naturalizado. Diante de um contexto de Escola sem Partido isso não poderia ser abordado. O projeto é para não pensar uma educação que pode promover a mudança social, promover o respeito à diversidade, a tolerância e a compreensão de contradições sociais", diz.
Segundo Gina, professores que emitem posicionamentos partidários ou outros abusivos devem ser punidos, mas isso já consta nas atuais regras que regem a profissão. O Escola sem Partido traria outros tipos de insegurança pois, segundo ela, relativiza o que é o abuso. "Se acontecem abusos, nós, professores, somos os primeiros a dizer que isso deve ser denunciado. É falta de ética profissional. O que esse dispositivo legal faz, no entanto, é atingir o professor que tem extrema consciência da profissão, que se percebe como educador".
A favor
A professora e psicopedagoga Luciana Hass, que leciona português na Escola Municipal de Belo Horizonte defende a medida. "É importante a gente ter uma escola sem partido porque, em uma sociedade livre, as escolas não devem funcionar como centro de doutrinação", afirma. Ela defende que, na medida do possível, os professores devem apresentar aos estudantes todas as informações que puderem.
Segundo Luciana, há uma falta de compreensão do projeto por parte daqueles que o criticam. A medida, de acordo com ela, vem para proteger a liberdade de cátedra. "A escola sem partido vem para fazer com que os professores mostrem todos os lados. Têm que passar o conhecimento de maneira neutra. Tão neutra quanto possível".
Ela diz que, no dia a dia, quando se depara com textos que são mais voltados para determinada ideologia, ela busca outros que mostrem outros pontos de vista. "Os opositores falam que não se pode trabalhar política. Muito pelo contrário, deve-se, sim, trabalhar assuntos políticos. Outro dia, vi um trabalho interessante no qual as crianças diziam o que esperavam do prefeito da cidade, o que esperavam que fizesse de bom. Imagina se eu trabalhasse isso de forma partidária, falando sobre algum partido. Não vamos falar de partido, mas podemos tratar de questões políticas".
O professor Uanderson de Jesus Menezes, da Escola Estadual XXII de Ipatinga (MG), acredita que uma maior participação dos pais ajudaria a definir melhor os conteúdos e as abordagens, e os tornaria parte da educação dos filhos também na escola, sem a necessidade de uma lei. "O que falta muitas vezes é o acompanhamento de perto dos pais, eles não estão presentes na escola, não acompanham o dia a dia. É muito comum que pais falem que, se não tem problema com o filho, não vão à escola. Nossas reuniões são vazias. Dizemos que são filhos órfãos de pais vivos. A melhor forma seria estarem presentes para conhecer a disciplina, entender o plano de aula".
Menezes recebeu o prêmio Professores do Brasil pelo projeto TV Filosofia, no qual os estudantes escolhem um tema e explicam por meio de produções audiovisuais. "Uma vez, um pai de aluno, que é pastor na região, foi à escola reclamar que a escola estava ensinando Barroco [estilo artístico dos séculos XVI a XVII, presente inclusive na construção de igrejas católicas]. Ele acreditava que tornava os alunos gays", conta. "Não se pode ter essa função de exigir que se ensine o que se quer porque esses conteúdos são cobrados em avaliações como o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]".
Para além da participação dos pais, o professor Leonardo Stefano Masquio, do Instituto Federal Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, ressalta que a participação dos alunos é essencial nas aulas e que eles não absorvem meramente o conteúdo, como supõe o Escola sem Partido, mas questionam o que é ensinado. Masquio recebeu o Prêmio Arte na Escola Cidadã pelo projeto Oficina de Criação de Canções, que propõe que estudantes componham músicas coletivamente. No processo, de acordo com o professor, os estudantes têm liberdade de propor temas que serão abordados nas letras. "Quando estamos produzindo uma música, qualquer um pode questionar. Eu posso colocar alguma visão e os estudantes questionarem, podem dizer que é ruim e que não querem seguir por ai, não tem essa hierarquia".
Segundo ele, a ideia de construir o conhecimento passa pela pluralidade de pensamento. O Escola sem Partido possibilitaria que professores comprometidos com a pluralidade de pensamento fossem confundidos como doutrinadores, "como se fizessem uma lavagem cerebral, como se os estudantes não tivessem pensamento crítico", diz. "Pluralidade é diferente de um professor que diz que vota em tal partido, isso é algo pedagogicamente equivocado, mas que não pode servir de justificativa para se cometer outro erro".
A favor
Cleverson Lino Batista, professor de filosofia, ética e sociologia do ensino médio no Colégio São Pedro do Vaticano e do ensino fundamental na Rede Coleguium, ambas escolas particulares em Belo Horizonte, defende que, na situação atual do país, o projeto é necessário. "A doutrinação ideológica nas escolas é muito forte. Não é generalizado, não são todos os professores, mas muitos sabem a posição que têm como formadores de jovens, como alguém que é visto como exemplo, e acabam influenciando de maneira indevida os estudantes", diz.
Ele defende que o professor pode ter opinião própria, mas que devem levar os alunos a conhecerem também opiniões antagônicas às suas. "O processo de educação é feito através de confronto de ideias, de perspectivas diferentes. Se apresenta apenas uma posição e demoniza as demais, isso não é papel do professor, ele está fugindo do papel dele", assegura.
Sobre questões religiosas, ele defende que escolas particulares que deixam claro a linha de atuação e que são, por isso, escolhidas pelos pais e responsáveis podem seguir diretrizes específicas. No entanto, escolas públicas devem garantir a pluralidade do ensino.
Para Batista, questões como religião e gênero devem ser discutidas nas famílias. "Isso é, antes de tudo, tarefa da família. A escola, nesse ponto, é acessória, ela vem para suprir, não é ator primário desse debate de religião ou gênero. Não deve fugir do debate, mas sempre manter o cuidado e a posição como escola, onde acontece o ensino".
Origens do Escola sem Partido
O movimento Escola sem Partido foi fundado em 2004 pelo procurador de Justiça de São Paulo, Miguel Nagib. Em 2014, ganhou força quando transformou-se no Projeto de Lei 2974/2014, apresentado na Assembleia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro (Alerj). O movimento disponibilizou, então, dois modelos de projetos de lei, estadual e municipal.
Em âmbito nacional, projetos semelhantes tramitam tanto na Câmara dos Deputados - Projeto de Lei (PL) 867/2015, de autoria do deputado Izalci Lucas (PSDB-DF) - quanto no Senado Federal - Projeto de Lei do Senado (PLS) 193/2016, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES).
Em consulta pública aberta no site do Senado Federal, uma maioria manifesta-se contra o projeto de lei, por uma pequena diferença. Ao todo, até sexta-feira (14), 183.604 (48,1%) eram favoráveis, enquanto 197.765 (51,9%) eram contrários.
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