VAMOS CONHECER OS HISTÓRICO E O PERFIL DOS GRUPOS ISLÂMICOS EM ATUAÇÃO NO MUNDO?
Fonte: Agência Brasil.
Os grupos que entraram em evidência nos últimos anos e foram responsáveis por ataques recentes em várias partes do mundo têm perfil e objetivo bem diferentes daqueles que atuavam no Oriente Médio até a década de 1990 e o começo dos anos 2000. Para o mestre em estudos regionais do Oriente Médio e professor da Faculdade Armando Álvares Penteado (Faap), Jorge Mortean, grupos como Boko Haram, Estado Islâmico e Al Qaeda “pertencem a contextos históricos totalmente distintos” de outros como Irmandade Muçulmana, Fatah, Hamas e Hezbollah.
“Esses primeiros se aproveitam de vácuos políticos deixados
por Estados nos territórios onde atuam”, explica o professor. O Estado
Islâmico, por exemplo, tem atuação no Norte do Iraque e no Leste da Turquia. O
Boko Haram tem atuação focada no Norte da Nigéria, em uma região de “grande
vazio demográfico e na zona mais pobre do país, onde o governo tem dificuldades
de se efetivar por meio de serviços públicos”, avalia o especialista.
Já a Al Qaeda, que assumiu recentemente a responsabilidade pelos atentados ao
jornal Charlie Hebdo, em Paris, nasceu em “países miseráveis e
ditatoriais, com ostatus falido, como a Somália, o Iêmen, a
Eritréia e o Afeganistão”, completa. “Eles nascem do desespero das populações
locais em ter uma resposta, um motivo político para sobreviver. E a religião,
de uma forma deturpada, vem como essa resposta, infelizmente”, explica o
professor.
De acordo com ele, os grupos mais recentes têm projetos
independentes de poder que, em geral, não têm relação entre si. O Estado
Islâmico, por exemplo, que tem divulgado vídeos com a decapitação de reféns,
pretende criar um grande califado mundial. O Boko Haram, responsável
pelo sequestro de centenas de pessoas na Nigéria e pela
morte de milhares em uma vila no país, pretende impor um código próprio de leis
baseadas na religião, mas, segundo o professor, os integrantes do grupo têm uma
visão deturpada do Corão.
O que eles têm em comum é a resistência aos efeitos da
globalização e à ocidentalização dos países onde atuam. “O que difere esses
grupos novos – Boko Haram, Al Qaeda e Estado Islâmico – desses grupos de raiz
no Oriente Médio, como Hezbollah, Hamas, Fatah e Irmandade Muçulmana, é que os
novos nascem depois das guerras civis, quando nacionalismo e ideologias
políticas se vão por água abaixo, em um mundo mais globalizado, e a
globalização tem resquícios de exclusão. Eles nascem como resposta a essa
tentativa de ocidentalizar o Oriente Médio”, explica. Além disso, os novos
grupos também fazem a interpretação de que a cultura ocidental vai contra os
preceitos do Islã.
Saiba Mais
Por outro lado, na avaliação de Mortean, os grupos que
tiveram atuação armada no fim do último século abandonaram esse recurso e têm
voltado seu foco para ações políticas. É o caso do Hezbollah, que nasceu como
um partido político no Líbano, representando muçulmanos xiitas do Sul do país,
e resistia à ocupação israelense. Desde que Israel desocupou o Líbano, em 2000,
os ataques do grupo diminuíram e o último episódio de violência foi registrado
em 2006. Desde então, quando respondeu com morteiros aos ataques israelenses na
fronteira do Líbano, o Hezbollah tem “voltado às suas origens políticas”,
segundo o professor.
Fatah e Hamas também são grupos que têm focado seus esforços
nas negociações políticas na Palestina. “Há muito não se vê mais provocações
como atentados à bomba em mercados e restaurantes em Tel Aviv”, aponta Mortean.
As duas organizações também nasceram como partidos políticos, tiveram braços
armados e atuação paramilitar de resistência à ocupação israelense. Os picos de
violência foram observados quando a pressão de Israel sobre os territórios
palestinos aumentava. Houve, inclusive, enfrentamento entre os braços armados
dos dois partidos. Atualmente, no entanto, eles disputam espaço na Organização
para Libertação da Palestina (OLP).
Diferentemente do Fatah e Hamas, que nunca tiveram motivação
religiosa no centro de sua atuação, a Irmandade Muçulmana nasceu no Egito como
uma sociedade islâmica que prestava serviços de caridade e atenção aos mais
pobres. Mais antiga entre as organizações do Oriente Médio, ela foi criada em
1928 e pode ser considerada “conservadora”, mas não “extremista”, na opinião do
professor Jorge Mortean.
“Ela nasce como uma sociedade beneficente e depois começa a
cobrir o vácuo deixado pelo governo em diversas áreas, inclusive nos serviços
públicos de educação e assistência social. Mas, com o passar do tempo, ela
acaba se tornando uma máfia. Como toda organização religiosa grande, tem
diversas correntes, algumas mais conservadoras, outras um pouco mais liberais”,
explica o professor.
Apesar de todos terem origem em países do Oriente Médio e da
África, o Ocidente tem grande responsabilidade sobre o surgimento e o
financiamento desses grupos. Para o professor do Instituto de Relações
Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Argemiro Procópio Filho, o
terrorismo religioso é um fenômeno milenar que foi praticado também pelo
Ocidente. Ele cita o caso das Cruzadas feitas pela Igreja Católica ou dos
enfrentamentos entre católicos e protestantes na Irlanda.
No século 20, com a criação de Israel e a resistência dos
árabes ao estabelecimento do novo Estado, muitos grupos rivais do Oriente Médio
foram estimulados a se enfrentar. “Israel fomentou inicialmente grupos rivais e
depois perdeu o controle”, aponta Procópio Filho. Da mesma forma, segundo ele,
os novos grupos extremistas são financiados por países árabes ricos como a
Arábia Saudita e o Qatar que, por sua vez, compram armamentos e vendem petróleo
para a Europa e os Estados Unidos. Dessa forma, avalia o professor, o Ocidente
“cria monstros para combater monstruosidades e depois não sabe o que fazer com
eles”.
O que chama a atenção agora, na opinião de Procópio Filho, é
a integração de jovens europeus a esses grupos. Ele aponta que a questão da
imigração e da exclusão dos europeus filhos de imigrantes pode contribuir para
o interesse deles pelos grupos extremistas, mas ressalta que muitos dos
alemães, belgas, franceses e outros cidadãos que se juntam a esses grupos “não
têm passaporte árabe”. Na avaliação do especialista, entender o que explica a
participação desses jovens em ataques aos seus próprios países deve ser o
próximo passo da Europa para enfrentar o terrorismo.
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