A DIPLOMACIA DO SKATE, BERÇO DOS SKATISTAS CAMPEÕES MUNDIAIS, O BRASIL TEM A OPORTUNIDADE DE INFLUENCIAR O UNIVERSO JOVEM DOS FÃS DE ESPORTES RADICAIS, CONHEÇA OS TÍTULOS INTERNACIONAIS DE SKATISTAS BRASILEIROS DE 1996 A 2014


MANOBRA DIPLOMÁTICA Sandro Dias,  skatista, no último X Games nos Estados Unidos. Ele leva a imagem do Brasil a um novo público   (Foto: Christian Pondella/Getty Images)
"Aonde um brasileiro chega para andar de skate, um sorriso aparece no rosto das pessoas”, diz Pedro Barros, catarinense de 19 anos, tetracampeão mundial de skate na modalidade bowl. Barros é o mais novo expoente de uma geração de skatistas brasileiros que colecionam títulos no exterior. Nos anos 1990, as manobras de Sandro Dias e Bob Burnquist apresentaram o skate brasileiro ao mundo. Burnquist virou personagem de videogame, no jogo Bob Burnquist’s Dreamland. Seus vídeos da série Pedaço do meu dia, no YouTube, foram vistos mais de 20 mil vezes cada um. Esses jovens de bermudas largas, joelheiras e capacete podem ser mais que atletas. Podem atuar como diplomatas, ao levar ao exterior uma nova imagem do Brasil.

O skate tem menor visibilidade que o futebol, mas, em termos de geopolítica do esporte, oferece várias vantagens em relação a nosso esporte mais tradicional.  Ele pode ser praticado em qualquer área urbana, mesmo sem infraestrutura específica, e influencia um grupo muito importante. “O skate é uma ferramenta estratégica na política internacional por envolver majoritariamente os jovens – os futuros líderes, políticos e empresários”, diz Neftalie Williams, pesquisador de diplomacia do esporte na Universidade do Sul da Califórnia.
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O exemplo mais célebre de diplomacia do skate vem do Afeganistão. Em 2007, o australiano Oliver Percovich e alguns amigos apresentaram o skate a crianças afegãs. A iniciativa ganhou o nome de “Skateistan” (“Skateistão”) e resultou na primeira escola dessa prática no país. Nas aulas, meninos e meninas afegãos aprendem mais do que manobras. Também absorvem noções de colaboração, responsabilidade cívica, artes, meio ambiente, cultura da paz e valores da cultura ocidental, como a igualdade entre os sexos. Metade dos alunos, entre 5 e 18 anos, trabalha nas ruas do país, e 40% são meninas. No Afeganistão, ainda é tabu que mulheres andem de bicicleta. Mas não há nenhuma restrição ao skate. A prancha com rodinhas é, portanto, uma ferramenta mais adequada para integrar crianças e adolescentes de ambos os sexos. O projeto também atua no Camboja.
A pátria de rodinhas (Foto: ÉPOCA)
Apesar da popularidade mundial dos skatistas brasileiros, Williams afirma que o Brasil  não explora os dividendos políticos do skate como poderia. Segundo ele, governos e empresas do Brasil poderiam investir no skate com fins variados, como aumentar a influência brasileira em Cuba, um dos países onde o esporte conquista adeptos. O país está há 54 anos sob a ditadura dos irmãos Fidel e Raúl Castro. Quando ela terminar – algo que parece mais próximo, à medida que a idade dos irmãos avança –, o governo brasileiro terá de negociar com novos interlocutores. Na fase de transição, ter a simpatia dos futuros líderes cubanos será importante. “É difícil mudar a cabeça de adultos que passaram décadas ouvindo discursos dos irmãos Castro”, diz Williams. “Mas os garotos cubanos estão livres de carga ideológica e são o futuro.”

Nas pistas de Havana, há algumas iniciativas em que o Brasil deveria ficar de olho. Apesar do antagonismo entre os governos de Cuba e dos Estados Unidos, os laços entre skatistas americanos e cubanos têm sido estreitados. Um projeto nasceu em 2010, quando dois universitários americanos, Miles Jackson e Lauren Bradley, visitaram Cuba e conheceram as precárias condições para a prática do skate na ilha. Em Cuba não há lojas de skate, e importar equipamentos é difícil. Hoje, o Cuba Skate é uma iniciativa de cooperação que passa longe de gabinetes e burocratas e incentiva o skate cubano por meio do envio de equipamentos para Havana e de programas de intercâmbio entre os dois países.

Sem grandes ambições, o skatista brasileiro Sandro Dias foi uma espécie de pioneiro do Cuba Skate. Em 2004, ele foi o primeiro skatista profissional a visitar Cuba. “Depois de ir embora de Cuba, enchi uma caixa com skates usados e mandei tudo para lá”, diz. Ele  afirma que o skate pode se firmar como linguagem universal. “Skatista no Brasil ou na China é uma família só. Por meio do skate, o mundo fala a mesma língua.”

Diplomacia não acontece só em reuniões oficiais e dentro de gabinetes. Manobras magistrais de skate ou passes de bola arrebatadores podem fazer mais pelas relações internacionais do que dezenas de discursos oficiais de diplomatas engravatados. Esse tipo de iniciativa é conhecido como “soft power”, ou “poder brando”, a capacidade de um país de conquistar a simpatia de outras nações e de incliná-las a agir segundo seus interesses. Para aproximar os povos, é importante cultivar valores comuns.  A cartilha diplomática do “soft power” tem iniciativas diferentes dos programas de cooperação econômica ou militar. Há espaço para um desenho como Zé Carioca, lançado pela Disney em 1943, antes de o Brasil enviar tropas para a Europa na Segunda Guerra Mundial. Durante o campeonato mundial de tênis de mesa no Japão, em 1971, a delegação chinesa convidou os jogadores americanos a visitar Pequim. Estados Unidos e China estavam rompidos desde 1949, com a divisão do mundo em blocos capitalista e comunista. O convite para jogar tênis de mesa reaproximou os dois países, no episódio que ficou conhecido como “diplomacia do pingue-pongue”.

Um ídolo pop, como o cantor corea­no Psy, também é um diplomata informal de seu país. O estouro mundial da música “Gangnam style”, em 2012, foi um acaso – para muitos, um mistério. Em torno daquele acaso, havia um ambiente favorável. Em 2009, a Coreia do Sul instaurara um Conselho Presidencial de Imagem Nacional, dedicado a promover o “soft power”.

O Brasil já usa o futebol como instrumento diplomático, em iniciativas como o amistoso da paz, jogo da Seleção Brasileira contra o Haiti, em 2008.  Turistas e empresários brasileiros beneficiam-se dessa simpatia ao viajar a lazer ou negócios. Desde 2008, quando foi criada a Coordenação-Geral de Intercâmbio e Cooperação Esportiva (CGCE), do Ministério das Relações Exteriores, os esportes são considerados oficialmente um instrumento de política externa brasileira. Segundo Vera Cíntia Álvarez, ministra-che­fe da CGCE, a decisão de usá-los veio como uma demanda de paí­ses com que o Brasil tem boas relações. Eles perceberam a relevância econômica dos esportes e queriam ajuda para fortalecer suas seleções nacionais. A diplomacia do esporte conduzida pelo Itamaraty segue a cartilha do “soft power”. A cooperação não é feita com interesses diretos e explícitos, mas visa conquistar a solidariedade de outras nações ante as posições brasileiras. A popularidade mundial do skate brasileiro mostra que temos potencial a explorar nessa área. 
RUAN DE SOUSA GABRIEL E MARCELO MOURA
ÉPOCA

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