BICICLETA: POSSÍVEL ANTÍDOTO PARA CULTURA DA PRESSA, A ANGÚSTIA DA PRESSA NASCE DO DESCOMPASSO ENTRE O IDEAL DE RAPIDEZ QUE BUSCAMOS E A VELOCIDADE QUE, DE FATO , CONSEGUIMOS ATINGIR. COM A BICICLETA NÃO HÁ IDEAL . HÁ SÓ VIDA REAL




A indústria da pressa é lucrativa. Ganha o fast food, o lava-rápido, a empresa de entregas rápidas, o provedor de internet rápida, a empresa com atendentes velozes, o fabricante de hardwares que suportam altas velocidades, o fabricante de motores velozes, de softwares e equipamentos eletrônicos que prometem organizar sua vida e economizar um tempo precioso a ser gasto, certamente, economizando mais tempo. Ganha o guru dos best-sellers instantâneos que escreve sobre como transformar em vida a máxima "tempo é dinheiro". Ganha o publicitário que cria e cristaliza um imaginário positivo da economia obsessiva de tempo. Ganha o dono do espaço publicitário onde esse imaginário circula, ganha o anunciante desse espaço. Ganham os bancos, todos eles, porque estes sempre ganham mesmo, em tudo.
Tudo tem que ser pra ontem, com faturamento agora pra um investimento futuro, mas um futuro breve, quase imediato. Lá na ponta da cadeia da lucrativa indústria da pressa, ganha, por fim, a indústria farmacêutica, em especial os fabricantes de ansiolíticos e antidepressivos.
Em Morro de São Paulo, na Bahia, carrinho de mão vira táxi para bagagens. Potência humana é o parâmetro de velocidade por lá (Foto: Sabrina Duran)
Neste cenário frenético, a bicicleta pode ser um contraponto, um pitstop de reflexão necessária sobre o porquê da velocidade que se coloca na vida. A estrutura física da bicicleta, feita de modo compatível com as dimensões do corpo humano, nos lembra o tempo todo das nossas potencialidades e limitações. E me parece que aí está o "segredo" da bicicleta como antídoto contra a pressa. De modo irremediável, a bicicleta nos ancora na realidade mais elementar da nossa existência: a realidade física do nosso corpo.
A angústia da pressa nasce do descompasso entre o ideal de rapidez que buscamos e a velocidade que, de fato, conseguimos atingir. E com a bicicleta não há ideal. Há só vida real. E ponto.
Lembro-me que quando comecei a usar a bicicleta nos meus deslocamentos em São Paulo, em 2009, eu o fazia para chegar mais rápido aos lugares. Até que um dia - repetidos dias, aliás - me vi constantemente irritada quando um carro reduzia a velocidade à minha frente e me obrigava a reduzir também; quando um pedestre cruzava a rua e me obrigava a parar para sua travessia; quando um farol fechava e eu era forçada a frear. Ali, tanto fazia eu estar numa bicicleta, num carro ou numa moto. Eu vivia imersa na cultura da pressa até a medula, e se estivesse a pé, caminharia o mais rápido que pudesse, angústia a pico, só pra chegar mais rápido aos lugares, de modo autômato e nada reflexivo.
Em Galinhos, penísula no Rio Grande do Norte, não há carros. Se não for a pé, os deslocamentos são feitos a cavalo ou em burro-táxi (Foto: Sabrina Duran)
Para o problema crônico da pressa não havia outra solução a não ser pedalar mais devagar, acompanhando o ritmo do meu corpo, diluindo a angústia na velocidade baixa. Ao que parece, vem funcionando. Pedalo devagar a maior parte do tempo, com alguns picos de velocidade um pouco mais alta em situações que pedem um pouco mais de agilidade. Mas não é fácil pedalar mais lentamente. Dada a força da cultura da pressa neste século alucinado, sempre que saio de bicicleta tenho que entoar como um mantra a seguinte frase: "chegar melhor, não mais rápido, chegar melhor, não mais rápido".
Hoje é segunda-feira cinza, o dia preferido da pressa e do azedume que ela causa no fim da jornada. Me pareceu propício escrever esse post e sugerir aos leitores que façam a experiência de pedalar um pouco mais devagar. Um bom adianto na vida é concluir que o que nos falta não é tempo, mas desfrute.

Há alguns anos, o ator e comediante norte-americano Louis C.K. deu entrevista ao apresentador Conan O'Brien, do talk show Late Night with Conan O'Brien. Entre outras coisas, C.K. fez uma comparação divertida e muito lúcida sobre a percepção do tempo em tempos antigos - quando os telefones ainda eram de disco - e nos tempos de agora. Vale cada frase. Assista ao vídeo aqui (em inglês).
Louis C.K., comediante norte-americano fala sobre diferença entre a apreciação do tempo hoje e num passado não muito distante (Foto: Reprodução)

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