VAMOS REFLETIR! COM A PALAVRA HÉLIO RICARDO RAINHO - ENREDOS PATROCINADOS DAS ESCOLAS DE SAMBA


Foto promocional de Hélio Ricardo Rainho


Esta semana tive o prazer de gravar, nos estúdios do SRZD, com os companheiros de ofício Claúdio Russo e Rachel Valença, um vídeo com debate sobre os enredos das escolas do Grupo Especial para 2013. A tarde foi muito agradável e a conversa, ainda mais.
Antes de mais nada, é bom que se diga que essa função de "crítico" é das mais complicadas do ramo. Findo o trabalho, ficamos todos com aquela impressão: teríamos sido injustos em algum comentário? Pretensiosos? Pouco informados sobre algum detalhe que poderia renortear nossa opinião?
Sim, porque essa função de analisar debater e criticar é sempre muito complexa. Procuramos estabelecer critérios que privilegiassem as escolas de samba em si para opinar, então, sobre os enredos por elas escolhidos. De minha parte, prezados leitores, já antecipo que não sou dono da verdade nem manifesto minha "opinião pela opinião". Quando dou meu crivo pessoal, não o dou levianamente: exponho argumentos (e argumentos, eu bem sei, podem ser contestados). Somos todos, como diz aquele samba da Portela, "amantes e meninos sonhadores das escolas de samba". Amamos e respeitamos todas elas! Então jamais nos levantaríamos contra as escolas. Muito além disso: a crítica é para privilegiar as escolas em detrimento daquilo que não é samba e tenta se impor dentro do samba!
Antigamente não existia patrocínio. Era proibido. Lá pelos idos de 90 veio a liberação. Com ela, a confusão. Porque, como disse no debate, posso afirmar com autoridade - sendo publicitário e pós-graduado em Marketing - que a maior parte do que temos visto por aí não é patrocínio, é publicidade! Não estamos vendo empresas financiando enredos, estamos vendo empresas fazendo propaganda delas mesmas dentro dos enredos!
A escola de samba virou um outdoor! Samba-enredo virou jingle! Já vimos o samba que teve que falar da marca de computador, de leite condensado, da cerveja com número e tudo. De minha parte, acho um profundo mau gosto. E pior: essas empresas ainda não se deram conta de que a propaganda forçosa é um tiro no pé? Eu recomendaria que fizessem uma pesquisa: quantas pessoas acharam simpático o samba-enredo que vendia seus produtos na avenida? Sendo ou não puristas, tradicionalistas ou o que quer se seja, todos admitirão: é feio! Vai na contramão das tradições do samba.
Parece que, ano após ano, os enredos têm se tornado ainda mais publicidade do que patrocínio. A onda agora já não é mais falar do produto, mas anunciar a marca. Sim, a marca é o enredo. E vejam vocês o autêntico "samba do crioulo doido": uma escola faz um enredo sobre uma marca de cerveja, mas a emissora que transmite o desfile precisa baixar o áudio no refrão do samba, porque o anunciante de cerveja da TV é um e o que "patrocina" a escola é outro!
Gente, isso é vergonhoso!
As escolas de samba são e não são culpadas disso. Digo que não são porque a atual lógica dos desfiles e dos jurados só proporciona algum sucesso a quem tem dinheiro. Uma lástima, mas é verdade. Jurado gosta de luxo, Joãosinho Trinta!!! Mas não o luxo que o mestre ensinou. Porque Joãosinho nunca revolucionou nada pelo luxo do patrocínio, mas pelo luxo na concepção estética. Tanto que, além de consagrar a Beija-Flor como deusa da passarela em luxo e riqueza, maravilhosa escola que é, mostrou que poderia ser genial vestida de lixo... e foi! Hoje, enredos patrocinados tentam injetar nas escolas a criatividade luxuosa que Joãosinho Trinta tirava de suas mãos, de suas ideias, de suas sucatas. Diferença gritante...
É preciso que não se confunda críticas como esta a "purismo", "conservadorismo" etc. Não é.
Continuar acreditando que as escolas de samba têm vida, têm alma, têm discurso próprio, têm uma comunidade que as representa, não é "coisa da antiga". Quem quer alguma coisa diferente disso, que vá ao teatro, ao cinema. Escola de samba tem história, tem legado, tem raízes. É uma manifestação cultural. Eu não posso pegar o Bumba-Meu-Boi, a Festa do Divino, o Frevo e o Maracatu e transformar em outdoor. Nota zero para os publicitários, inclusive, que abusam de sua atuação e fazem isso. Patrocínio em escola de samba tem de ser igual em teatro e cinema: sem interferir nem querer aparecer no roteiro! Bote o dinheiro que quiser, distribua a marca nos ensaios, nas paredes...mas não dentro da história. Porque o público não está pagando ingresso para assistir a comercial publicitário. Só por isso. E é muito!
Essa lógica comercial desenfreada tem por justificativa a necessidade de se fazer "grande espetáculo" por causa da televisão que a transmite e comercializa. Escola de samba é escola de samba, não é programa de televisão nem DVD de prateleira de loja! A escola não tem que fazer a vontade da televisão e se descaracterizar, virar espetáculo visual segundo critérios impostos, precisando de dinheiro para "valorizar o produto televisão". A televisão que se valorize e se aproxime do produto que quer mostrar! Tem que se prestigiar a cultura, não o espetáculo!
Acredito, porém, que essa reflexão e essa imposição de limites ao patrocinador deva vir das escolas de samba, não de governos ou governantes. É uma reflexão interna, necessária, mas sem chancela política. Vem dai a minha reprovação a qualquer tentativa do poder público de controlar os patrocínios ou de negar subvenção às escolas usando critérios seus para definir o que é e o que não é cultural. Que o poder público requeira a necessária prestação de contas e a utilização das verbas destinadas às escolas com rigor, evitando desvios de recursos, tudo bem. Mas formar comissões para julgar se esse ou aquele enredo receberá subvenção?
Vai ter truta! Acreditar que uma secretaria ou departamento ou seja-lá-o-que-for decidirá se um enredo é ou não digno de receber subvenção? Isso é risível: duas semanas depois de instituído, quem me garantirá que este não será mais um setor do poder público recebendo propina para aprovar enredos escabrosos?
Acho que esta é uma importante questão a ser discutida dentro do carnaval. Mais do que ofender ou agredir escolas - e isso ninguém pode, nem deve fazer - deve-se repensar a lógica das escolhas dos enredos.
Mais patrocínio, menos publicidade agressiva dentro dos enredos das nossas escolas de samba! E que elas comecem a privilegiar o seu legado, em detrimento das exigências do "espetáculo".

Autor: Hélio Ricardo Rainho

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