O Globo cara nova, modelo antigo


Cara nova, modelo antigoFoto: Reprodução

REFORMA GRÁFICA FAZ DE O GLOBO O JORNAL MAIS AREJADO DO PAÍS, DO PONTO DE VISTA ESTÉTICO; NO CAMPO DAS IDEIAS, NO ENTANTO, O JORNAL REFORÇA SEU CORTE CONSERVADOR E CONTINUA DISPOSTO A PAUTAR O MENSALÃO

Fonte: 247
Neste domingo, O Globo estreou seu novo projeto gráfico. Festejado numa festa no Copacabana Palace e assinado pelo designer Chico Amaral, o projeto transforma o jornal da família Marinho no mais arejado do País, do ponto de vista estético. Inegavelmente, a publicação ficou mais leve, moderna e bonita.
No campo das ideias, no entanto, o jornal reforça seu papel de veículo conservador, que tenta pautar a agenda pública no País. Neste domingo, a manchete “Mensalão desviou R$ 101 milhões” força claramente a mão, na tentativa de influenciar o julgamento do mensalão, que começa no dia 2 de agosto.
A reportagem aponta como prova do uso de recursos públicos o saque de R$ 4,6 milhões do fundo Visanet, pelas agências de Marcos Valério. Este tema, largamente explorado na CPI em 2005, gerou ampla controvérsia. Afinal, a Visanet é uma empresa privada, que tem como um dos acionistas o Banco do Brasil – bancos privados também fazem parte do capital social.
No texto, o Globo também aponta como recursos públicos o chamado bônus de veiculação que teria sido recebido pelas agências e não foi devolvido ao cliente Banco do Brasil. O que o jornal não informa é que quem pagava o maior BV do Brasil – e ainda paga – são as Organizações Globo. A decisão recente do Tribunal de Contas da União, que considera legal a retenção do BV pelas agências (como ocorre com outras empresas de publicidade até hoje) foi desconsiderada pelo Globo.
Numa edição praticamente toda dedicada à Ação Penal 470, o Globo também publicou editorial a respeito, que, segundo o jornal, será também um julgamento da era Lula. “São diversos os crimes imputados pelo MP aos acusados. Há peculato, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva. No entanto, mais importante que a tipificação de delitos é a inevitável implicação político-institucional do processo”, diz o texto.
Em outro artigo sobre o processo, Miriam Leitão pede que os ministros tenham grandeza diante do “momento histórico”. O Globo ficou mais moderno e mais leve, mas sua agenda política segue inalterada.
Leia, abaixo, o editorial do Globo:
O GLOBO - 29/07

O Supremo Tribunal Federal (STF) deixou de ser um templo inatingível, habitado por senhores circunspectos, alérgicos a jornalistas e que só se pronunciavam “nos autos’! É provável que esta des-sacralização da mais alta Corte brasileira tenha relação com a maior exposição pública que o tribunal passou a ter na redemocratização, diante do grande número de demandas derivadas do próprio processo de consolidação de liberdades e direitos garantidos pela Constituição de 88.

Porém, poucas vezes na História, o STF terá atraído tanto as atenções como a partir desta semana, quando está previsto o início do julgamento do processo do mensalão. O caso mobiliza em grandes proporções a paixão político-ide-ológica, de petistas e de opositores. Os 38 réus são acusados pela Procuradoria-Geral da República (o Ministério Público Federal) de constituírem uma “organização criminosa” para, na primeira gestão Lula, desviar dinheiro privado e público a um esquema de compra financeira de apoio parlamentar ao governo.

Denunciado por um dos beneficiários desta “organização’,’ o ainda deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), o mensalão, nome de batismo dado também por Jefferson, envolve militantes do PT, parlamentares do partido e também do PTB e do PMDB.

O enredo da trama tem de tudo ou quase tudo em matéria de corrupção: há um banco (Rural), desvio de dinheiro público de estatal (BB/Visa-net) e uma lavanderia para tentar legalizar recursos desviados (Marcos Valério e suas agências de publicidade). E, segundo o MP, um “chefe”: o ex-ministro e ex-deputado José Dirceu. E um nome não citado nos autos, mas que paira sobre todo o processo e será de alguma maneira atingido, de forma positiva ou negativa, a depender do desfecho, pelos veredictos: Luiz Inácio Lula da Silva.

São diversos os crimes imputados pelo MP aos acusados. Há peculato, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva. No entanto, mais importante que a tipificação de delitos é a inevitável implicação político-institucional do processo.

Os ingredientes são fortes. À margem do envolvimento direto e indireto de personagens com claras aspirações na vida pública, há a questão de se é possível um julgamento com base exclusivamente nos autos de um processo com tantas conotações extra-jurídicas. É um desafio para os 11 ministros do Supremo.

A Corte não tem mais qualquer semelhança a um monastério distante de tudo e todos, mas a maioria já demonstrou saber exercitar a equidis-tância para decidir com equilíbrio em meio às diversas pressões desencadeadas em julgamentos importantes. Foi assim na revogação da Lei de Imprensa, um entulho autoritário. Bem como, em outro plano, na liberação do aborto de fetos anen-cefálicos. Ou na confirmação da constitucionali-dade da Lei da Ficha Limpa. Nestas demandas, foram contrariados, em diversas medidas, interesses da Igreja, do Congresso e de áreas do Executivo.

Um grande ponto de interrogação, porém, persistirá. Não se sabe em que medida influenciará cada magistrado o sentido mais profundo da atuação daquela “organização’,’ contrário ao estado de direito democrático. No pano de fundo do julgamento do mensalão estão a democracia e o respeito à Constituição. E, por isso mesmo, a própria consolidação do papel vital do Supremo na estabilização institucional do Brasil.
E também o artigo de Miriam Leitão:
O GLOBO - 29/07
Quando começar o julgamento dos acusados do escândalo político chamado “mensalão”, o Brasil estará dando um decisivo passo. Houve muito acerto de órgãos e instituições para que o dia chegasse. O país está dizendo que, mesmo em um governo que terminou popular e elegeu o sucessor, certas práticas não são admitidas. O recado independe do resultado final; uma decisão dos juízes.

O presidente Lula era popular em 2005 quando, através de pessoa ligada à sua base política, se soube que uma complexa engenharia financeira criava dutos pelos quais escorria dinheiro para o bolso de políticos ligados ao governo. O presidente foi reeleito em 2006 e fez sua sucessora em 2010. Ainda assim, o processo continuou. O Congresso fez a Comissão Parlamentar de Inquérito, a Polícia Federal abriu investigação, o Ministério Público ofereceu denúncia definindo o grupo como organização criminosa, o relator no Supremo apresentou um voto denso e pediu o julgamento. Foi seguido pela Corte. A ampla defesa foi e continuará sendo garantida. Sete anos depois, o assunto não foi esquecido.

Os petistas e seus aliados que estarão no banco dos réus — mesmo que fisicamente não compareçam — estarão recebendo a etapa final de um castigo político. O país separou a prática de corrupção do voto no partido. O recado é este: aceita que o PT continue governando, mas isso não avaliza todas as práticas.

O apoio ao governo aumentou no segundo mandato, e o ex-presidente Lula permanece sendo uma liderança com expressiva popularidade. Tem sonhos eleitorais para 2014. Ainda assim, todas as suas tentativas de descaracterizar a denúncia foram ignoradas. Ele tentou tudo. Inicialmente, a banalização do crime com a sua frase: “O PT fez o que é feito sistematicamente neste país”. Quando o Brasil insone acompanhava até altas horas a CPI, Lula tentou se distanciar dos seus companheiros e disse que havia sido traído. Depois, ele e o partido tentaram manipular a opinião pública, através da acusação de que era tentativa de golpe.

Truques jurídicos, manobras protelatórias, sofismas de palanque e até nomeação de aliados, instalados em órgãos com o objetivo de criar interpretações favoráveis aos réus. Tudo foi tentado e não funcionou. Os réus serão julgados.

O momento é espantosamente significativo para o país. A maioria dos ministros do STF foi nomeada pelo governo para o qual os réus trabalhavam e onde os fatos ocorreram. Se as instituições do país não fossem tão fortes, o Supremo teria se curvado à vontade dos governantes.

Minha convicção é que o Brasil tem um projeto, ao contrário do que diz a lenda. Nas últimas décadas, ele cumpriu etapas de uma agenda de modernização, que foi mantida, apesar de mudanças de grupos no poder e percalços políticos: restaurou a democracia, estabilizou a economia, reduziu a pobreza. Cada etapa desse caminho escolhido custou esforço, exigiu coerência e pediu paciência do povo brasileiro.

A luta, agora, é contra a corrupção, para aperfeiçoar a democracia brasileira e dizer que sistema político queremos. Os erros não foram cometidos por apenas um grupo político. O que está sendo julgada é uma prática política, e não o partido. O que nos trouxe até aqui foi a persistente convicção de que é preciso aumentar a transparência e controle das instituições que nos representam.

Durante todo o caminho, a imprensa fez seu trabalho com objetividade. Registrou os fatos com liberdade, revelou práticas condenáveis em outros grupos políticos, manteve a cobertura do tema em evidência, permitiu o amplo debate.

Os ministros do Supremo Tribunal decidirão de forma soberana, de acordo com os autos e suas convicções. Suas decisões serão acatadas. Suas sentenças terão profundas consequências na construção do projeto do Brasil. Que tenham independência, lucidez e noção da grandeza do momento histórico.

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