ANISTIA INTERNACIONAL APONTA VIOLÊNCIA POLICIAL NO RIO DE JANEIRO


O Brasil tem vivido "uma crise aguda na segurança pública" nos últimos 30 anos, com o registro, em 2012, de 56 mil assassinatos, que correspondem a 29 homicídios por 100 mil habitantes. Do total de vítimas, 30 mil eram jovens de 15 a 29 anos, sendo 90% homens e 77% negros. A atuação da polícia, de grupos de extermínios e de milícias contribuem para esse cenário, como aponta o relatório Você Matou Meu Filho! – Homicídios Cometidos pela Polícia Militar no Rio de Janeiro, divulgado, hoje (3), pela Anistia Internacional. O lançamento oficial ocorrerá às 10h.

De acordo com o estudo, a imagem negativa associada à juventude, em especial entre os jovens negros que vivem em favelas, leva para "a banalização e a naturalização da violência". O documento aponta que as políticas de segurança pública no Brasil são marcadas por operações policiais repressivas em áreas pobres e, com frequência, com o uso de força letal, como em casos de pessoas suspeitas de envolvimento com grupos criminosos. "É uma prática recorrente, nestes casos, o desmonte da cena. Raramente tem perícia feita no momento em que as mortes ocorrem. O que temos com mais frequência é que rapidamente a polícia isola a área, retira o corpo e pronto", disse o diretor-executivo da Anistia Internacional Brasil, Átila Roque, em entrevista à Agência Brasil.


Fonte: Agência Brasil.


Foram analisados dados do Datasus do Ministério da Saúde e do Mapa da Violência. A Anistia Internacional fez a pesquisa entre agosto de 2014 e junho de 2015. A organização apurou o andamento de 220 investigações de homicídios ocorridos durante intervenção policial em 2011 na cidade do Rio e constatou que foi apresentada apenas uma denúncia e, até abril deste ano, 183 investigações continuavam em aberto.Conforme a entidade, o Rio de Janeiro apareceu por muito tempo como o estado com a maior taxa de homicídios. Entre 2002 e 2012, o indicador diminuiu de 56,5 homicídios por 100 mil habitantes para 28,3, enquanto que, na capital, a taxa passou de 62,8 para 21,5.

A análise incluiu também dados estatísticos oficiais, entrevistas com testemunhas, famílias de vítimas e servidores públicos, incluindo policiais civis e militares. O trabalho avaliou ainda registros de ocorrência, atestados de óbito, laudos periciais, inquéritos policiais, fotos e vídeos.

"O auto de resistência, em particular, segue como uma espécie de cortina de fumaça para que o policial acabe exercendo a execução extrajudicial. Os dados coletados mostram que, em Acari, praticamente todas as mortes classificadas como auto de resistência têm fortes elementos que apontam para execução", diz o relatório.

O diretor disse que é preciso chamar a atenção para impunidade e ausência de investigação. "Isso é quase uma autorização, uma carta branca para matar. Essa situação é grave, e uma das demandas principais que a gente faz é que o Ministério Público estabeleça imediatamente uma força-tarefa para esclarecer estas situações", disse o diretor.

O relatório destaca a Chacina de Acari, ocorrida em julho de 1990, quando 11 jovens, sendo 7 menores de idade, foram retirados de um sítio localizado em Suruí, bairro do município de Magé. A suspeita é de envolvimento de policiais nos desaparecimentos. O documento lembra o caso do bailarino Douglas Rafael Pereira da Silva, o DG, de 26 anos, morto em abril do ano passado, na comunidade do Pavão-Pavãozinho, na zona sul do Rio. O dançarino foi encontrado morto com um tiro e vários ferimentos no dia seguinte a um tiroteio entre policiais da Unidade de Polícia Pacificadora e criminosos.

"Sentimento de perda total. Qual outro sentimento uma mãe pode ter com a perda de um filho? Sentimento de indignação e de muita raiva também pela morosidade e muita mentira em torno do processo", disse Maria de Fátima, mãe de DG, à Agência Brasil. "Eu vou acreditar que a justiça vai ser feita. Uma pessoa não pode tomar um tiro pelas costas e sair como culpado da própria morte. Não acredito que a Justiça vai ser cruel a esse ponto", acrescentou.

Outra questão indicada no relatório é o medo das testemunhas em dar informações. Para Átila Roque, isso é consequência da falta de segurança para quem vai testemunhar. "Existe muito medo nessas comunidades de se mostrar e testemunhar, contar à policia e depois ser uma outra vítima. É uma cultura que está presente não apenas no Rio de Janeiro, em que o Estado não garante condições para que as pessoas que testemunham violência e violação de direitos cometidos por agentes do Estado, se apresente para testemunhar".

O diretor, no entanto, reconheceu que o Rio de Janeiro deu passos importantes na última década para a redução no número de homicídios e nos autos de resistência. De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro, em 2005, eram 1.098 autos de resistência. Em 2007, tiveram a maior alta e chegaram a 1.330. Até 2013 caíram, alcançando o total de 416, mas no ano seguinte subiram para 580. "É preciso reconhecer o avanço, mas se observa que a cultura da guerra continua muito arraigada", disse.

Nas conclusões, o relatório faz recomendações aos governos federal e estadual, ao Ministério Público e ao Congresso Nacional para enfrentar o enfrentamento da violência policial e a impunidade. “Não devemos reduzir esta questão apenas à polícia. Temos todas as demais instâncias do Estado, que de uma forma ou de outra, ou estão sendo incompetentes ou ineficientes, ou pior, estão sendo omissas ao não exercerem o seu papel. Que a questão seja tratada com a gravidade que tem, porque é ela que distingue o estado de direito da barbárie", avalia o diretor. "Uma mensagem importante que está presente neste relatório é que o combate ao crime não é e não pode ser incompatível com a garantia do direito fundamental à vida", afirmou.


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