NO DIA DE COMBATE A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA LIDERES ALERTAM CONTRA A DISCRIMINAÇÃO
Em outubro
de 1999, o jornal Folha Universal estampou em sua capa uma
foto da iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, em publicação com
o título "Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos
clientes". A casa da Mãe Gilda foi invadida, seu marido foi agredido
verbal e fisicamente e seu terreiro, depredado por integrantes de outro
segmento religioso. Mãe Gilda morreu em 21 de janeiro de 2000, vítima de um
infarto.
Para combater atitudes discriminatórias e prestar homenagem a Mãe
Gilda, foi instituído, em 27 de dezembro de 2007, pela Lei 11.635, o Dia
Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado hoje (21).
Casos como o
de Mãe Gilda não são isolados. Em 2014, o Disque 100 registrou 149 denúncias de
discriminação religiosa no país. Mais de um quarto (26,17%) ocorreu no estado
do Rio de Janeiro e 19,46%, em São Paulo. O número total caiu em relação a
2013, quando foram registradas 228 denúncias, mas, mesmo assim, mostra que a
questão não foi superada no país. As principais vítimas são as religiões de
matriz africana, como o candomblé e a umbanda.
"No ano
passado, tivemos diferentes ações contra a intolerância religiosa, como
manifestações, publicação de vídeos. Não acho que diminuiu imediatamente, mas
os grupos têm reagido. Não quer dizer que tivemos menos invasões de casas e
agressão pela não permissão do uso de indumentárias em espaços públicos",
analisa a coordenadora da organização não governamental (ONG) Criola, Lúcia
Xavier. Para ela, a
discriminação das religiões de matriz africana está ligada ao racismo. De acordo
com os dados do Disque 100, no ano passado, 35,39% das vítimas eram negros. Os
brancos corresponderam a 21,35% e os indígenas, a 0,56%. Os demais não
informaram. " Tem a ver também com a ideia de que as religiões de matriz
africana são primitivas, usam sacrifícios de animais, têm ritos
diferenciados", diz Lúcia.
"Acho
que, embora tenham ocorrido alguns avanços nos últimos anos, um desafio muito
grande é o de esclarecimento. A religião é demonizada, acham que cometemos
barbáries. Não é nada disso. As pessoas precisam de mais informação, de saber
mais a respeito", diz a iyalorixá Dora Barreto, do terreiro Ilê Axé T'Ojú
Labá, no Distrito Federal.
Segundo o
professor de filosofia da religião da Universidade de Brasília Agnaldo Cuoco
Portugal, muitas vezes, a intolerância extrapola a religião e relaciona-se com
questões socioeconômicas e políticas. "O Brasil é um país relativamente
pacífico em termos de violência religiosa", compara. Entre casos extremos
de intolerância, ele cita o recente ataque à redação do semanário francês Charlie
Hebdo e os ataques consequentes a mesquitas.
No Brasil,
ele defende que para combater a intolerância é necessária uma imprensa ativa,
canais de participação e acesso a denúncias pela sociedade e a própria educação
religiosa. "A ideia de educação religiosa na escola pública no Brasil é
interessante. Só acho uma pena que ela seja entregue às igrejas. A minha visão
é de que seja assunto de estudo científico, como qualquer outro, deveria ser o
estudo das religiões para saber o que pensam os grupos, de forma científica e
não catequética", defende Portugal.
Veja o que
dizem algumas lideranças religiosas sobre a tolerância:
Judaísmo:
O judaísmo
nasce como uma tradição em direção ao diálogo. Isso não significa, no entanto,
que ao longo de tantos anos a postura sempre tenha sido tolerante. Mas, de
maneira geral, temos vários exemplos de tolerância e de diálogo. A tolerância
gera mais riqueza, riqueza cultural. É um tema do nosso cotidiano. A promoção
do diálogo é saudável, interessante e desejável.
Sergio
Napchan, diretor de Relações Institucionais da Confederação Israelita do Brasil
Catolicismo:
Desde 1965,
com o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica iniciou uma forma mais clara de
busca de comunhão e diálogo com as igrejas cristãs e grandes tradições
religiosas. Para os católicos, vivenciar o Evangelho é reconhecer que todas as
religiões procuram responder a questões humanas, que são comuns. Cada um
responde de acordo com suas doutrinas, ritos e caminhos, mas todos procuram
responder às mesmas questões. Reconhecendo isso, vamos nos encontrar com o
propósito de paz, harmonia e felicidade.
Padre
Marcus Barbosa, integrante da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo
Interreligioso, da Comissão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Religiões
islâmicas e muçulmanas:
Nossa
religião é clara: Quem mata uma alma, mata a humanidade inteira. Nossa educação
é que vivamos em paz com outras religiões. Quem vai julgar as pessoas é Deus. É
preciso tratar o próximo com amor e carinho. No Brasil, estamos abrindo diálogo
com outras religiões, visitando outras igrejas. Estamos convivendo em paz, é um
excelente exemplo. A religião islâmica não é esse fantasma e o terrorismo não
representa os muçulmanos.
Sheikh Khaled Taky El Din, presidente do Conselho de Teólogos Islâmicos no
Brasil.
Candomblé:
O candomblé
tem por princípio o acolhimento, receber bem, dar um rumo para as pessoas,
esclarecer. Tenho grandes amigos de outras religiões. Com a tolerância,
ganhamos a união. Todos ficam mais fortes. O ideal seria que se tivesse um
problema na minha casa, fosse conversar com um pastor ou um padre para saber a
opinião deles. Ouvindo a opinião de outras religiões, consegue-se fazer melhor
juízo.
Iyalorixá Dora
Barreto, do terreiro Ilê Axé T'Ojú Labá
Espiritismo.
Entendemos
que todas as religiões devem ser tratadas com respeito e reconhecimento às
condições e à liberdade de culto e pensamento. Nossa posição é a de estímulo ao
diálogo e à somatória de esforços, quando houver necessidade de colaboração com
a sociedade. O mundo em que vivemos não admite o isolamento em grupos ou clãs.
A única forma de pensar a convivência e o respeito é estabelecer o diálogo.
Antonio
Cesar Perri, presidente da Federação Espírita Brasileira.
Protestantismo:
O
protestantismo não pratica intolerância religiosa. Você não vê um cristão
protestante matar, bater ou discriminar alguém por causa de sua fé em Cristo
Jesus. Se fizer isso, ele não é um cristão verdadeiro ou nunca foi. O
protestantismo tem sua fé pautada na Bíblia Sagrada e entende que algumas
coisas são boas e outras coisas são ruins: algumas coisas devemos ou podemos
fazer e outras não nos convêm; o que é bom para uma pessoa pode ter significado
ruim para outra pessoa. O que não podemos aceitar é ferir o princípio da
liberdade de expressão, pois nunca terá uma concordância entre as religiões
sempre vai existir a diversidade em todos os segmentos.
Pastor
Carlos Oliveira, presidente do Conselho Federal de Pastor.
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