INTERNAÇÃO DE VICIADOS EM CRACK COMEÇA COM PROTESTO
Polêmica, medida do governador Geraldo Alckmin de internação involuntária de dependentes químicos é inaugurada com resistência; manifestantes pedem políticas públicas em lugar de tratamento forçado; Cracolândia, na região central de São Paulo, está no foco da ação
O programa de internação compulsória do governo do Estado de São Paulo teve início nesta segunda-feira 21 já com resistência da população. Um protesto realizado nesta manhã em frente ao Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas do Estado), no centro da capital paulista, pedia "Internação compulsória não, política pública sim". O grupo de cerca de 40 pessoas ligadas a igrejas e a movimentos sociais trazia outros cartazes com os dizeres "usuário não se prende" e "somos contra políticas higienistas".
O trabalho, que deve ser feito em conjunto entre profissionais da saúde, do Ministério Público, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), inicia com expectativa de que haja filas devido à alta demanda de familiares em busca de tratamento forçado a parentes que não largam o vício.
"O principal problema é o crack. Combate ao tráfico é função da polícia. Além de combater, temos que tratar os doentes. Estamos com 691 leitos de retaguarda. Combinamos com o Poder Judiciário que, para casos muito graves, será feita a internação involuntária. Às vezes a pessoa está tão mal que ela não tem condição de decidir. Não vamos deixar a pessoa morrer na rua", declarou Alckmin, em entrevista concedida na semana passada.
Segundo o governador, o objetivo da medida é proporcionar o tratamento dos casos mais graves de dependência química. "É um trabalho de internação involuntária para casos mais graves, que comprometem a vida e a saúde das pessoas. Já vai ter no Cratod o juiz, o promotor e o advogado. Acho que estamos avançando [no combate ao crack]", acrescentou.
Ao contrário do que pensa o tucano, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), afirmou que pretende respeitar a vontade dos usuários e incentivá-los a sair da situação em que se encontram nas políticas de combate às drogas que adotará na capital paulista.
"Vamos trabalhar em outra perspectiva no sentido de valorizar os direitos humanos e construir os caminhos necessários para que essas pessoas saiam do crack, que não pela força", declarou o secretário municipal de Direitos Humanos, Rogério Sotilli. Ele acrecentou que o uso da força policial não resolve o problema das drogas.
Especialistas também divergem
O professor titular de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ronaldo Laranjeira, mostrou-se favorável à medida em entrevista à Agência Brasil. Segundo ele, os dependentes químicos que estão muito envolvidos com drogas, principalmente com o crack, perdem a consciência.
"Isso já vem acontecendo há um bom tempo e temos que entender o que é compulsória, que é o determinado pela Justiça, e involuntária, que é feita pelo médico e família. No estado de São Paulo já temos cerca de 700 leitos especializados e metade já estão sendo ocupados pelas vagas compulsórias ou involuntárias."
Para Laranjeira, o que se propõe com esse projeto é uma melhor sistematização da lei, começando por um região onde há pessoas em condição crítica de saúde mental e física e apurando a necessidade da internação. "Isso nada mais é do que cuidados mais intensivos. As classes média e alta, que têm dinheiro, já fazem internação involuntária e compulsória o tempo todo. É um direito das pessoas que só contam com o Sistema Único de Saúde (SUS), como é o caso da Cracolândia, receber esse cuidado extremo."
O vice-presidente do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo (CRESS-SP), Marcos Valdir Silva, avalia justamente o contrário. Para ele, a retirada e a internação compulsória desses dependentes não passa de uma política de higienização do centro da cidade.
"Defendemos que haja políticas públicas integradas e não só uma ação repressora, que não foi discutida com a sociedade e profissionais da área, e que no fundo só quer resolver a ponta do iceberg e buscar uma solução para aqueles que estão gerando problema coletivo."
Silva avalia que as internações compulsórias vão criar grandes e lotados manicômios. Segundo ele, uma solução para evitar isso é difícil, mas deve começar com investimentos na prevenção do uso de drogas, nos centros de apoio psicossocial, além do cumprimento do que está previsto na lei no que se refere à dependência química. "A internação compulsória reprime. O dependente de drogas precisa de tratamento e não ser privado de liberdade e ser submetido a um tratamento." Para Silva, ao sair d internação compulsória é certo que o paciente recaia na dependência química.
Como irá funcionar
De acordo com a secretaria estadual de Justiça, haverá um plantão jurídico no Cratod com juízes, promotores públicos e advogados designados pela OAB. O funcionamento será de segunda-feira a sexta-feira, das 9h às 13h. A operação começa pelo Bom Retiro, com os agentes percorrendo toda a região para avaliar quais são os dependentes químicos em maior situação de risco e sem consciência de seus atos. Eles serão dirigidos à internação compulsória ou involuntária somente depois de uma avaliação médica e judicial.
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