Carnaval, malandragem e marmelada do prefeito Eduardo Paes

Por Luis Filipe Melo - Moderador

O título deste artigo mistura uma homenagem a uma obra essencial para compreender o Brasil, "Carnavais, malandros e heróis" do antropólogo Roberto da Matta com o enredo que deu o último título do carnaval à Portela (a escola do prefeito), "Hoje tem marmelada", em 1980, e claro, juntando com o absurdo que Eduardo Paes está patrocinando para o carnaval de 2013, que obviamente é motivado por interesses eleitorais altamente perniciosos para os desfiles das escolas dos grupos de Acesso que sonham chegar à Primeira Divisão, o Grupo Especial.

No carnaval deste ano houve "marmelada" no Grupo de Acesso A, que se fosse o Campeonato Brasileiro corresponderia à série B. A LESGA (Liga das Escolas de Samba do Grupo de Acesso) era presidida pelo presidente da escola Inocentes de Belford Roxo, Reginaldo Gomes, e meses antes do carnaval já tinha sido noticiado na imprensa que estava tudo acertado para essa agremiação vencer o Grupo de Acesso A. Mesmo com um desfile muito aquém de outras escolas, a Inocentes de Belford Roxo foi mesmo campeã do Grupo de Acesso A. Marmelada! O prefeito Paes queria "melar" o resultado. Se o fizesse estaria certo. Mas preferiu um caminho político para se beneficiar eleitoralmente.

Incentivou a criação de uma nova entidade, a LIERJ (Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro), não confundir com a LIESA responsável pelo Grupo Especial. E pasmem, decidiu fundir os grupos de Acesso A (desfilava no sábado) com o B (o desfile era na terça-feira). O resultado é que em 2013, o Grupo Especial desfilará como sempre no domingo e segunda, e teremos o novo Grupo de Ouro (Acessos A + B) que desfilará na sexta e no sábado. São 19 escolas no mesmo grupo lutando por uma vaga no Grupo Especial. Uma aberração que para quem não é do samba e do carnaval eu vou mostrar para todos entenderem.

Paes está fazendo com o carnaval do Rio, o mesmo que o regime militar fez em 1978 com o Campeonato Brasileiro de futebol. Era ano de eleição para o Senado, a Câmara dos Deputados e as Assembléias Legislativas (governadores e prefeitos ainda eram biônicos, nomeados pelos generais), a ARENA (partido que dava sustentação à ditadura) estava preocupada com o avanço do MDB. A CBD (nome antigo da CBF) era presidida por um almirante, Heleno Nunes. Decidiram fazer uma 1ª Divisão do hoje chamado Brasileirão com 74 clubes, em 1979 chegou a 94 clubes. Cunhou-se na época a máxima: "Onde a ARENA vai mal, um clube no campeonato nacional". Colocaram clubes sem a menor estrutura para disputar a 1ª Divisão para tirar dividendos políticos. Exatamente o que o prefeito Eduardo Paes está fazendo com o carnaval do Rio.

O Grupo de Acesso A tem escolas de porte, algumas que já foram campeãs do Grupo Especial e que fazem desfiles à altura das grandes, como Império Serrano, Viradouro e Estácio. Eram 9 agremiações este ano (2012). Agora juntando com o Acesso B passam a ser 19 escolas, entre elas algumas que não têm a menor condição financeira ou estrutura para disputar pra valer com as maiores, é o caso de Unidos da Vila Santa Tereza (não confundir com o famoso bairro do bondinho, essa agremiação é de um sub-bairro de Coelho Neto), Unidos de Padre Miguel (não confundir com a Mocidade Independente), Sereno de Campo Grande, União do Parque Curicica, União de Jacarepaguá. A disparidade entre os grupos de Acesso A e B é gritante. Só quem já assistiu no Sambódromo os desfiles de terça, do Acesso B, sem público mesmo com a entrada franca, como eu que já transmiti ao vivo pelo rádio por vários anos, sabe o abismo que existe para o Acesso A. É o mesmo que pegar os clubes das séries B e C do Brasileirão e juntar todo mundo na mesma disputa. Podem apostar que em 2014 essa loucura não se repetirá. Mas o prefeito não está preocupado com o carnaval do Rio, só pensa em se reeleger, e elevando escolas da 3ª divisão para a 2ª, e lhes dando uma verba maior, sabe que receberá dividendos eleitorais.

Nenhum jornal do Rio, apesar de todos terem especialistas em carnaval, até agora teve coragem de mostrar a verdade. O carnaval de 2013 no Sambódromo vai "atravessar" feio. Para quem não sabe, "atravessar" no jargão carnavalesco não tem a mesma tradução do verbete no dicionário. Pelo contrário, a expressão quer dizer "sair do ritmo", é o fiasco que as escolas de samba mais temem, quando as coisas dão erradas no desfile e se diz: "a escola tal atravessou na avenida", e não "atravessou a avenida".

Paes vai provocar o maior engarrafamento da história do Rio de Janeiro

A idéia do Grupo de Ouro desfilando na sexta e no sábado sequer levou em consideração o planejamento de trânsito. Podem apostar e me cobrar depois, a sexta-feira, véspera do Carnaval de 2013 registrará o maior engarrafamento da história da cidade. O trânsito do Rio vai parar, ninguém vai andar. E vou lhes esclarecer.

Até este ano, na sexta-feira, véspera do carnaval, dia que milhares de veículos estão deixando a cidade, desfilavam no Sambódromo as escolas mirins, das crianças. Cada uma com um ou dois carros alegóricos de pequeno porte e um número de componentes muito mais reduzido em comparação com as escolas de gente grande. Por conta disso, a Avenida Presidente Vargas só fechava ao trânsito a pista lateral junto ao Sambódromo na tarde de sexta. Mesmo assim isso sempre deu um nó no trânsito. Inevitável. Imaginem agora, as 9 agremiações do Grupo de Ouro que desfilarão na sexta, com a obrigação de levar entre 3 e 5 carros alegóricos muito maiores que os das escolas mirins. Pra começar, quem conhece a logística sabe disso, os carros grandes não podem ficar na pista lateral porque não dá pra fazer a curva pra entrar na Marquês de Sapucaí. Têm que ficar posicionados na pista central da Presidente Vargas que terá que ser fechada desde a manhã porque os carros saem dos barracões na madrugada de quinta pra sexta. E não se esqueçam que o Cais do Porto está em obras.

Nem o homem que mais conhece dessa logística, que faz milagres para as escolas grandes levarem seus carros gigantescos para a concentração, o diretor de Carnaval da Liesa (Grupo Especial), Elmo José dos Santos, conseguiria montar um plano que evitasse a cidade parar. Aliás, como mangueirense que sou, que saudades de Elmo e de Alvinho como presidentes da Mangueira, dois campeões do carnaval que modernizaram e levantaram a verde-e-rosa, que hoje vive dias de decadência, de volta às páginas policiais com Ivo Meireles, mas isso é outra história.

Não duvidem que o prefeito que estiver à frente do Rio em 2013, seja Paes autor dessa loucura irresponsável, ou outro, acabe decretando ponto facultativo na sexta, véspera de carnaval para tentar minimizar, não mais do que isso, o engarrafamento monstruoso que vai parar a cidade.

O resumo do enredo desse samba doido

Paes está usando o carnaval em benefício próprio num total desrespeito aos sambistas. Esse Grupo de Ouro será uma tragédia para o carnaval. Podem apostar que por conta da verba maior que vão receber, algumas escolas do antigo Grupo B, as menores, vão passar a interessar às milícias que vão colocar o pé no carnaval. O desfile das escolas mirins que passará de sexta para terça-feira vai ficar morto. E pra completar veremos o dia em que a cidade do Rio de Janeiro vai parar, da Zona Norte à Zona Sul. O autor desse enredo desastroso é o "carnavalesco" Eduardo Paes.


Em tempo: Antes que os portelenses queiram me excomungar, como a minha mulher Thereza e a minha amiga Adriana, por dizer que o último título da Portela foi em 1980 com "Hoje tem marmelada" e não em 1984, com "Contos de Areia" como alguns apaixonados pela Águia de Madureira insistem, vou me defender. Aproveitando outro enredo da Portela, "Recordar é viver" é preciso lembrar que 1984 foi o primeiro ano do Sambódromo, obra de Brizola, idealizada pelo genial Darcy Ribeiro. Nesse ano os desfiles foram atípicos, pela primeira vez aconteceram em dois dias. A Portela ganhou o desfile de domingo e a Mangueira o de segunda. Só que houve depois a disputa do Super Campeonato, onde a minha verde-e-rosa foi a vitoriosa com "Yes nós temos Braguinha". Portanto o último carnaval ganho pela Portela foi em 1980, com todo o respeito aos portelenses meus amigos. 

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