O Senado Brasileiro vai indicar o nome do escritor Ariano Suassuna para o Nobel de Literatura deste ano


Auto da Comopadecida
Auto da Compadecida

Por José Carlos Ruy


João Grilo vendeu para a mulher do padeiro, inflei e avarenta, “um gato maravilhoso, que descome dinheiro". Depois, munido de uma gaita que fecha o corpo e ressuscita os mortos (“benzida pelo Padre Cícero, pouco antes de morrer”) convence o cangaceiro ameaçador a visitar o Padim: "Seu cabra lhe dá um tiro de rifle, você vai visitá-lo. Então eu toco na gaita e você volta". E o cangaceiro cai nessa... João Grilo também manifesta um senso de justiça agudo ao ser julgado pelo Diabo: "Sai daí, pai da mentira! Sempre ouvi dizer que para se condenar uma pessoa ela tem de ser ouvida!"

João Grilo não é senão a imagem do sertanejo esperto, astuto, mestre nas artimanhas da sobrevivência. Personagem central de uma das principais obras de Ariano Suassuna, o Auto da Compadecida (1955) que, por si, justifica todas as homenagens ao grande escritor cujos escritos manifestam os traços marcantes daquilo que constitui um clássico: o popular e o erudito andam de mãos dadas numa obra em que o caráter “culto” nada mais é do que a expressão da alma brasileira em formato artístico.

Expressão culta registrada num sem número de personagens e peripécias que parecem saltar direto da literatura de cordel e de cantadores das feiras do sertão para páginas e palcos, passando a figurar num patamar mais permanente na literatura. 

É o caso, por exemplo, de outro personagem, Dom Pedro Dinis Ferreira Quaderna, do Romance d’A Pedra do Reino (1971), mais um pícaro de visível formação sertaneja cujas aventuras retratam o clima das tramas e também do sentimento sertanejos, com seu sebastianismo à flor da pele e suas reminiscências dos tempos do imperador e das revoltas do sertão.

É um lugar comum dizer-se que o Nordeste é a última fronteira da Idade Média ibérica. É preciso acrescentar, contudo, que ao longo do tempo o iberismo foi temperado, e diluído, na herança tupi e africana, o catolicismo foi amolecido por orixás e entidades pagãs, o mistério dos céus trazido à Terra tingido pelas cores das lutas do homem do sertão.

Este festival de cores, sentimentos e tradições vai agora ser proposto para avaliação à Academia Sueca que, todo ano, unge o escritor que passa a ser cultuado em todo o planeta. Em português isto ocorreu apenas uma vez, em 1998, quando José Saramago foi agraciado pelo Nobel de literatura.

Este ano, Ariano Suassuna vai estar no páreo: a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado vai avaliar requerimento do senador Cássio Cunha indicando seu nome para o Nobel de Literatura, com relatoria do senador comunista Inácio Arruda (PCdoB-CE). Sua obra - esta é a justificação - traduz tipos e o espírito brasileiros, transpondo limitações de tempo, lugar e de gerações. Não podia ser diferente!

Algumas obras de Ariano Suassuna 

TeatroUma Mulher Vestida de Sol (1947)
Cantam as Harpas de Sião (ou O Desertor de Princesa) (1948)
Auto de João da Cruz (1950)
O Castigo da Soberba (1953)
Auto da Compadecida (1955)
O Casamento Suspeitoso (1957)
O Santo e a Porca, imitação nordestina de Plauto (1957)
A Pena e a Lei (1959)
Farsa da Boa Preguiça (1960)
As Conchambranças de Quaderna, 1987

FicçãoA história do amor de Fernando e Isaura. Romance inédito (1956)
Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971) 
História d’O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão / Ao Sol da Onça Caetana (1977)

Outras obrasO Pasto Incendiado (1945-70). Livro inédito de poemas.
Ode (1955)
Coletânea da Poesia Popular Nordestina (1964)
O Movimento Armorial (1974)
Seleta em Prosa e Verso (1974)
Iniciação à Estética (1975)
A Onça Castanha e a Ilha Brasil: Uma Reflexão sobre a Cultura Brasileira (tese de livre-docência, UFPe) (1976)
Sonetos com Mote Alheio (1980)
Poemas (1999)

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