Cumprimento da decisão da Organização dos Estados Americanos (OEA), depende dos arquivos da ditadura.





O silêncio e a impunidade são regras quando se trata dos crimes da ditadura e a maior parte dos arquivos desse período continua secreta até hoje. Se depender daqueles que ainda estão na luta por justiça, porém, esse não será o fim dessa história. Um dos pontos de pressão por verdade e justiça no Brasil é cobrar que se cumpra o que está estabelecido nos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o País é signatário. A denúncia e condenação do Brasil nessas instâncias sinalizam que os governos brasileiros desde o final da ditadura não se esforçaram para investigar e punir esses crimes, e ainda que dentro do país não existem instrumentos capazes de realizar tais fatos.

Em novembro de 2010, o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil sobre a Guerrilha do Araguaia. Entre 1964 e 1985, cerca de 30 mil pessoas foram torturadas, destas em torno de 150 ainda estão desaparecidas. Na guerrilha do Araguaia concentram-se metade desses desaparecidos políticos. A condenação foi pelo desaparecimento forçado de cerca de 70 pessoas – militantes e camponeses – entre 1972 e 1975.

Recentemente, em março de 2012, a Corte recebeu outra denúncia da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, dessa vez sobre o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, crime pelo qual o Brasil pode ser ainda responsabilizado.

Sentença da Corte


Com a condenação, a OEA colocou 12 pontos que o Brasil precisa cumprir para fazer valer a afirmação dos direitos humanos. Entre eles, destacam-se a publicização da sentença, a busca pelos desaparecidos, e as investigações e julgamentos penais.

Para a militante do grupo Tortura Nunca Mais no Rio Grande do Sul, Suzana Lisboa, o governo pouco fez. “Os arquivos não foram abertos, não foram interrogadas as pessoas que fizeram os sepultamentos, não existe nenhum esforço nesse sentido para os crimes serem elucidados e os torturadores punidos”, lista. Suzana ainda complementa, lembrando que “as buscas por corpos da região do Araguaia estão sendo realizadas sem critério. Até hoje, os únicos corpos encontrados foram pelo esforço das próprias famílias dos desaparecidos”.

Já o governo brasileiro alega que a sentença está sendo cumprida. Em declaração do Itamaraty, o governo afirma que “reconhece as dificuldades, mas que está tomando as medidas possíveis para que ela possa ser cumprida, como sua publicização, porém os mecanismos jurídicos são complexos, nos parâmetros do direito interno e levarão tempo“.

A sentença da OEA, porém, só poderá ser de fato cumprida caso os arquivos da ditadura militar sejam abertos a população e o judiciário brasileiro puna individualmente todos torturadores. A Comissão da Verdade pode ser uma ferramenta nesse sentido, mas dependerá não apenas de esforço e trabalho, como também, e principalmente, de vontade política do governo brasileiro. 

Percebendo esse não cumprimento da sentença da OEA, diversas entidades se organizaram em torno de uma campanha denominada “Cumpra-se”, colhendo assinaturas e realizando manifestações. Segundo a campanha, ela é um esforço cidadão de indivíduos, coletivos, entidades e movimentos sociais, para que a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos seja cumprida integralmente.

Revisão da lei

Ações na justiça sobre a Guerrilha do Araguaia e outros casos emblemáticos da ditadura existem desde 1982, porém sempre enfrentando a alegação de que não se pode punir ou julgar alguém pela existência da Lei da Anistia, criada em 1979 pelo presidente João Figueiredo.

O Supremo Tribunal Federal (STF), em abril de 2010, considerou a mesma premissa, de que a Lei da Anistia não permitia a investigação desses crimes, ponto que foi interpretado de outra maneira pela Corte.

Na sentença dada ao Brasil, os juízes explicam, que “as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil”. 

Condenação do Brasil na OEA

O Brasil faz parte da Organização dos Estados Americanos (OEA) e assim partilha de suas instâncias. A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um órgão jurídico que tem como finalidade aplicar e interpretar a Convenção Americana de Direitos Humanos, criada em 1969 e ratificada pelo Brasil em 1992. Já a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é um órgão consultivo da Organização, criado para a defesa dos Direitos Humanos.

O caso sobre a Guerrilha do Araguaia foi levado à OEA por organismos brasileiros que atuam em prol dos direitos humanos – o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM/RJ) e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. 

Nomeado Gomes Lund e outros vs. Brasil, o caso faz menção a Guilherme Gomes Lund, um dos 70 militantes assassinados pelas forças militares na Guerrilha do Araguaia. O cerco aos guerrilheiros ocorreu de 1972 a 1975, contando com 3 fases. A área ocupada pela guerrilha, próxima ao rio Araguaia, era de 7 mil km² e aproximadamente 5 mil agentes da repressão foram necessários para derrotá-los.

Fonte: Especial Caros Amigos Comissão da Verdade (cedido pela Revista Caros Amigos ao Vermelho)

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